Ode à Licitude do Aborto:


A licitude ao aborto em determinadas circunstâncias é frequentemente contestada pelos críticos que alegam que, no aborto, a autonomia sobre o próprio corpo da mulher é posta em segundo plano em virtude da necessidade de avaliarmos os direitos e necessidades de um terceiro ser humano afetado, a saber, o feto, que seria prejudicado no seu direito à vida humana por qualquer intervenção intrusiva de caráter definitivo (ou seja, a interrupção voluntária da gravidez). Essa ação, logo, seria equivalente ao assassinato, de sorte que não se furtam de ofender, injuriar e defender algum tipo de cerceamento dessa prática ou mesmo de criminalização, sendo que os mais ousados chegam a defender tortura e/ou pena de morte para as gestantes que optam pelo aborto, assim como daqueles que as apoiam.

Inicialmente, cabe apontar a fragilidade de certos argumentos utilitários envolvendo Aborto. A exemplo, cite-se o prejuízo certo que o nascituro provocará à vida financeira, pessoal e acadêmica da gestante. A despeito da necessidade desses fatores serem considerados - e eles serão, abaixo - as deficiências desses argumentos não podem deixar de ser mencionadas e não é atoa que decidi fazer isso logo no início. Nesse sentido, recomendo a leitura da obra The Ones Who Walk Away from Omelas (Aqueles que se Afastam de Omelas) de Ursula Le Guin. O livro é uma obra de ficção que nos apresenta a Omelas, uma cidade repleta de farturas, pessoas inteligentes e cultas e com grande desenvolvimento científico. Todo esse clima edílico em Omelas tem um preço, que é o segredo da cidade, essa bonança social exige que uma única criança desconhecida, capturada de lugares ermos longe dos muros da cidade, seja mantida infeliz, sendo torturada, presa na sujeira, escuridão e miséria, e que todos os seus cidadãos descubram isso quando tiverem idade para discernir, normalmente entre os oito e os doze anos. Ao morrer, a criança é substituída por outra. Após descobrirem a verdade sobre a criança, a maioria das pessoas em Omelas fica inicialmente chocada e enojada, mas acaba por concluir que se a criança fosse libertada e levada à luz do Sol, toda a prosperidade, beleza e deleite da cidade seria destruída. Entretanto, alguns cidadãos, homens ou mulheres, jovens ou velhos, resolvem silenciosamente sair da cidade, se afastando para longe de Omelas, e ninguém sabe para onde vão. Afinal, é justo manter uma criança sofrendo horrores para proporcionar satisfação e felicidade para muitos? No inverso, é justo libertar a criança de seu sofrimento, se isso significa que vamos expor muitos outros que são poupados ao sofrimento também - incluso outras crianças?

Esses são aqueles que escolhem renunciar a todo regime de felicidade social que a cidade proporciona porque consideram que os -prós não compensam os -contras. Luís Filipe comenta a obra falando sobre limites da solidariedade humana: “a capacidade humana para a empatia pelo sofrimento dos outros só chega a determinado ponto; a partir daí os velhos mecanismos de sobrevivência passam a funcionar, e o pensamento normal é antes ele do que eu“.

O livro serviu de inspiração para a série de ficção The 100, season 2. Em que sobreviventes num bunker subterrâneo, num planeta devastado pela radiação, sobrevivem às custas de tratamento de hemodiálise que precisam fazer periodicamente em outros sobreviventes que desenvolveram adaptação à alta radiação e que são mantidos prisioneiros, pois deles dependem a sobrevivência dos moradores do bunker.

Dito isso e em posse dessa importante controvérsia a considerar, avaliemos o status de humanidade do zigoto.

Avaliemos:
Podemos definir Vida como o intervalo em que determinada matéria está organizada numa estrutura constituída pela comunhão de fenômenos que alteram (1) o meio em específicas escalas (2) a própria estrutura, também de forma específica, e que operam - tais fenômenos - confluindo para a manutenção do modelo funcional do próprio ente. Por sua vez, esses fenômenos individualmente resultam de específicos elementos X associados em ambiente Y. Por exemplo, uma célula é uma estrutura constituída pela reunião de propriedades (membrana citoplasmática e núcleo - Sendo que por vezes o núcleo não é necessário e, as vezes, nem mesmo a própria célula [já que vírus são acelulares]) que realizam reações químicas, mantendo essa estrutura operante frente as agressões do meio. Novas reações podem ocorrer a todo momento para evitar a desintegração dessa bola de fosfolipídeos, o fenômeno da respiração que ocorre ao transferir os elétrons da oxidação para o gás carbono e evitar que estruturas químicas elementares para o funcionamento da bola sejam desgastadas e inviabilize toda a estrutura, enfim... Não-raramente essas propriedades perpassam reprodução e transmissão hereditária, metabolismos (uma série de reações químicas que operam para manter o ser vivo - como explicamos acima) e, claro, reação e movimento.

Explico: Verificamos que num meio hipertônico, a solução contém mais soluto do que a célula ali inserida. Como o a concentração de ions no espaço extracelular é maior, dada a desproporcionalidade da célula à circunstância posta, o sal suga a concentração de água celular e o ente biológico encolhe, podendo chegar a perder sua estrutura elementar. Num meio Hipotônico, o inverso ocorre: como a solução contém menos soluto do que a célula ali inserida, a água do soluto é sugado pela célula, que pode inflamar a ponto de romper a membrana, fudendo com a estrutura biológica. Resta o fenômeno de gotapassagem da permeabilidade da celular, em que há um ambiente no qual o soluto do meio é proporcionado à quantidade de água da célula, deixando a célula em situação de equilíbrio (Isotônica).

E como a célula reage ao meio? Por uma série de modificações físico-químicas do próprio meio que alteram as estruturas celulares e que desencadeiam em processos físico-químicos de resposta, aperfeiçoados pelo tempo evolutivo. Exemplo: o pH (fenômeno químico) começa a descer no meio (ficando ácido) o que irá modificar a estrutura de uma proteína na membrana plasmática dessa célula, pois, a partir de certo pH tal molécula absorve ou perde elétrons modificando sua estrutura por questões de interações intramoleculares (força eletromagnética da física). Essa molécula modificada irá induzir por forças elétricas a modificação de outras moléculas, sendo uma destas uma molécula que se degrada com a alteração das forças ao seu redor quando em determinado espectro e, sendo um dos constituintes uma molécula alcalina que quando integra era neutra. Desse modo, a molécula alcalina irá ser liberada e encontrará as moléculas que estão reduzindo o pH do meio as neutralizando e permitindo o retorno do pH ao nível anterior, pois base (alcalino) neutraliza ácido. E, desse modo, a acidez não degradou uma outra molécula vital para o funcionamento da célula. Os organismos que tinham esse mecanismo sobreviveram e reproduziram, os que não apresentavam ou possuíam um defeito foram extintos.

Saindo das células e indo, sei lá, para um cachorro. É o cachorro um bloco citológico constituído por compostos orgânicos que operam internamente para impedir que a estrutura celular se rompa frente as agressões do meio (já falamos disso acima) e, externamente, atuando coordenadas desempenhando funções específicas para manter a funcionalidade do organismo, correr, latir, comer, acasalar, etc. Impedindo, portanto, que o mesmo rompimento ocorra a nível maior. Para isso, as células obtém energia através de processos oxirredutivos e o organismo/cachorro emprega essa energia obtendo mais insumos que as células empregarão. A partir daí as células podem fazer novas células ou novas estruturas celulares e substituir as perdas mantendo o fenômeno maior (cachorro). Logo, a vida é holisticamente um conceito maior que a soma de todos os conceitos que a constitui.

"A vida é apenas a morte sendo evitada e adiada. (...) Cada vez que respiramos, afastamos a morte que nos ameaça e, assim, nos impomos numa batalha sempre continua, que se estende até o dia "D", em que todos os viventes conscientes já sabem de antemão, que não vencerão tal peleja. - Arthur Schopenhauer

Tendo o feto tais propriedades, não resta dúvida tratar-se de ser ele um ser vivo. Assim como também é ser vivo uma zebra, uma bactéria, uma célula epitelial do intestino delgado ou de uma casca de ferida de um ser humano, etc. De modo que assim classificá-lo só o insere numa categoria genérica que contempla zilhões de outros indivíduos que existiram ou que existem no planeta Terra.

"Nossa existência está atada a milhares de processos químicos delicadamente equilibrados, todos fragilíssimos, fáceis de se romper e seguramente efêmeros: a expansão rítmica dos pulmões absorvendo um fluxo constante de oxigênio, a cadência palpitante de um coração delicado que pode ser interrompido por um sem número de doenças ou acidentes estúpidos, uma teia de conexões intrincadas e interdependentes do cérebro, etc."

Assim, enquadrar o feto como ser vivo pouco diz do ponto de vista de sua suposta humanidade, que seria o elemento central que deslocaria a análise do ente não mais como algo, mas como alguém. Não como objeto ou objeto de direito, mas como sujeito.

O feto sem cérebro é material biológico da família Hominidae, da espécie sapiens sapiens. Assim como é material biológico da família Hominidae, da espécie sapiens sapiens um cadáver que acabou de morrer, uma senhorinha de 80 anos, um bebê, uma adolescente, uma célula qualquer do meu nariz. Existe, contudo, um sub-classificação aqui que torna significativa a distinção entre uma senhorinha de 80 anos, um bebê, uma adolescente e o cadáver que acabou de morrer ou o feto sem cérebro: estes dois últimos não são seres humanos.

E o que é um Ser Humano?
Ser Humano é o elemento biológico, correspondendo a um substantivo coletivo que brota da complexa arquitetura sistêmica de todas as unidades celulares da espécie sapiens sapiens (a nossa) fundidas sob energia X, dispostas de forma Y e que possibilitam a transição da inexistência para a existência da UAO.

Por UAO (Uniquely Autonomous Origin) / Identidade, entenda-se o elemento que constitui individualidade, titularidade ativa indissociável dos componentes seletos do corpo, naquela comunhão que em si mesma encerra o encontro da matéria orgânica com a produção de abstração. Dito de outra forma, a UAO é a ponte entre a construção da subjetividade (a partir de um molho de cooperações e conexões ondulatórias provenientes de atividades químico-elétricas de natureza encefálica) e a própria Biologia, enquanto sistema e códigos de natureza estritamente secos, técnicos, bionuméricos. Um software singularmente único, similar a um programa operacional, instalado em um Hardware de peças comuns a todos os outros, com uma organização sui generis. Você pode ter um software instalado numa CPU sem mouse, sem teclado, até sem visor, mas você não pode ter um programa instalado num “computador” sem Placa-Mãe.

Ainda é importante mencionar sobre a UAO que desta resulta Autoridade, que é um elo de ligação entre o Domínio e Controle Exclusivos sobre o Ente, este último ocorrendo apenas e tão somente na substância da própria UAO, pois é a UAO fato que conecta a matéria orgânica ao bio-abstrato, d'onde qualquer tentativa de violação por terceiros de tal controle resulta numa contradição performática que se traduz numa impossibilidade de domínio e de controle, ou seja, não pode ser agredida sem que perca suas propriedades e deixe de existir.

Pense num cara que estava dirigindo enquanto estava recebendo uma mamada. Distraiu-se, bateu com o carro e atravessou o vidro.
O trauma encefálico fez morrer quase que automaticamente partes pontuais do seu cérebro, promovendo a transição da vida pra morte do organismo. A partir dali, perde-se a UAO e não temos mais um sujeito, temos um mero objeto. Não temos mais alguém, mas algo.

Sobre a natureza orgânica da UAO nas espécies, esse Centro de Operações pode ser muitíssimo bem arranjado, como no caso dos encefálicos vertebrados mamíferos, como a gente (que possui o Mesencéfalo, Ponte e Bulbo, contendo cerca de 86 bilhões de neurônios, ligados por mais de 10 mil conexões sinápticas.... cada), ou pode ser descentralizado ou mais simples, como artrópodes (como as aranhas) - que possuem gânglios cerebrais, os anelídios (como as minhocas), que possuem gânglios nervosos ou cnidários (como águas vivas), que possuem neurônios difusos. Esses sistemas se arranjam em dois cordões neurais paralelos que se estendem pelo corpo dos bichos.

Já no Porifera, as esponjas são agrupamentos de células distintas, com grupos especializados em captação de alimento, defesa do organismo, digestão e reparação, de tal modo que cada célula reage a pressão do meio externo, de modo independente e pré programado no material genético. Essa independência não promove a estrutura numa colônia porque elas todas derivam de uma mesma célula e possuem uma alta taxa comum de material genético (digo alta na incerteza se não são de fato todas iguais), com um grupo ameboide de células totipotentes se diferenciando nas células perdidas por algum motivo e produzindo gametas. Sou da opinião não-formada de que essa independência razoavelmente atípica nos seres eucariontes, heterotróficos e pluricelulares pode facilmente nos encaminhar para a conclusão de que o prompt de comando e, portanto, a própria UAO dos componentes desse Filo é dissolvida em todas as unidades celulares do organismo em si.

Explicados esses dois importantes conceitos, entraremos agora numa introdução da argumentação que será aprofundada abaixo:

Pensemos em Tonhão: Um trafica que acabou de levar dois tiros na cabeça, vindo a óbito na hora. Tonhão está morto! O corpo ainda sofre espasmos, centenas de trilhões de células estão vivas e ainda podem continuar assim por dias (vide cadáveres cujos órgãos são mantidos ativos com ajuda de aparelhos), mas Tonhão morreu porque determinado arranjo específico das células cerebrais se desorganizou, promovendo a transição da existência para a inexistência da UAO e, portanto, do ser-humano.
Até aqui todos concordamos.

Fight!...
Mary Warren nos propõe em On the Moral and Legal Status of Abortion a pensar em seres humanos em termos de categorias e estados. Primeiro devemos pensar nos seres-humanos com potencialidade de existência, vamos chamá-los de seres-humanos-por-hipótese. Esses são aqueles que existiriam se em determinado coito, determinados parceiros não tivessem usado contraceptivo ou se aqueles que existiriam se o material genético fecundado não tivesse sido abortado, espontaneamente/intencionalmente, etc. A segunda categoria seria a dos seres-humanos-vivos (ou seres-humanos-reais), esses são os arranjos biomoleculares que se aglutinaram e chegaram à construir um cérebro. Essa categoria, assim como a seguinte a ser apresentada, é um estado transitório da matéria (o estado de vida), limitada no tempo e espaço. Ou seja, em algum momento o arranjo molecular específico - do cérebro em particular - a que denominamos vida irá se dissolver, naquilo que denominamos morte. A terceira categoria denominaremos extinto-ser-humano, este é aquele estado em que se encontra o ser-humano-vivo que um dia existiu, mas que não existe mais. Ou seja, este é aquele que transitou do estado de vida para o estado de não-vida, para o qual retornou. As categorias de seres-humanos-por-hipótese e extintos-seres-humanos encontram-se ambos no mesmo estado: o estado de não-vida.

Pensemos agora em Tonhão: Um trafica que acabou de levar dois tiros na cabeça, vindo a óbito na hora. Tonhão está morto! O corpo ainda sofre espasmos, centenas de trilhões de células estão vivas e ainda podem continuar assim por dias (vide cadáveres cujos órgãos são mantidos ativos com ajuda de aparelhos), mas Tonhão morreu porque determinado arranjo específico das células cerebrais se desorganizou, promovendo a transição da existência para a inexistência da UAO e, portanto, do ser-humano.
Até aqui todos concordamos.

Certo... Assim como Tonhão que levou 2 tiros, MORREU (ou seja, entrou no estado de não-vida, não está mais vivo) porque o cérebro se desarranjou, um feto que nem sequer tem cérebro formado também não está vivo. Ele está na mesma categoria do cadáver, ou seja, não está vivo porque não tem cérebro arranjado. E não tem cérebro arranjado porque nem mesmo cérebro tem ainda. E, enquanto não o tiver, não estará vivo.
A discussão é: qual o elemento que distingue a vida da morte. Seja de um ser humano pra um cadáver, seja de uma matéria orgânica qualquer pra um ser humano.

Fica redundante e repetitivo, mas é só pra desenhar porque aparentemente precisa.
Um cadáver que acabou de morrer é infinitamente mais complexo e completo do que um feto, pois já tá todo formado.
Seus arranjos, seus órgãos, sistemas, cadeias de conexões. O que o separa da vida é apenas um embaralho substancial no cérebro que acabou de morrer. E o que é o cérebro senão uma organização bioquímica de conexões e impulsos físicos únicos? Mal comparando, cada indivíduo é um protocolo único (21030WRT83BR98320201SZ838390SQ31283EEQ12A98). Sendo assim, se o perfeita e especificamente organizado cérebro é elementar e fundamental pra existência de ser-humano-vivo, vide Tonhão, como pois poderia um acerebrado o sê-lo (ser-humano-vivo)?

Por haver morte cerebral, estão mortos os cadáveres, ou seja, não estão vivos. E o que é a morte? É a não-vida que sucede a vida. De igual modo, o feto que não tem cérebro encontra-se na mesma categoria do cadáver. Ou seja, não está vivo (não-vida!), com o diferencial de que aquele transitou da vida para a não-vida, então este (o feto) nunca viveu (até o momento).
E, não vivendo, não tem vida. Não tendo vida, não o tratamos como se vivo estivesse, dando a ele a mesma importância que damos aos espermatozoides que você mata todo dia no banho.

Certo, dito isso, considero importante antes de prosseguir que tenhamos contato com um vocabulário apenas para ajustar nossa linguagem e não nos perder na incompreensão do que será dito. Lembre-se de voltar para visitá-lo sempre que eventualmente considerar que os conceitos empregados estão travando a comunicação.

1 → vida = definição extremamente simplista de união citoplasmática + núcleo com propriedades envolvendo obtenção de alimentação, reprodução, etc. (mas fique a vontade para pensar na definição mais precisa dada acima);

2 → não-vida = estado caracterizado pela não-ocorrência-da-vida, podendo ser absoluta (a matéria jamais se organizou num estado de vida) ou relativa/também chamada de morte (a matéria organizou-se num temporário estado de vida e desorganizou-se, retornando ao anterior estado de não-vida);

3 → morte = não-vida seguida de vida;

4 → ser-humano = conjunto que reúne os subconjuntos <ser-humano-vivo> e <célula-ovo/zigoto/embrião/feto-sem-cérebro/cadáver do Tonhão> (não se esqueça de lembrar o que foi explicado na pergunta acima <E o que é um Ser Humano?>);

5 → ser-humano-vivo/ ser-humano-real = estado temporário da matéria orgânica de nossa espécie que corresponde ao conjunto de trilhões de células atuando coordenadas por um córtex cerebral e que vai desde a formação operante/ativada e integralizada do cérebro, cerebelo, bulbo, córtex ativo e operante, mesencéfalo, tálamo, hipotálamo, ponte etc. até a sua deformação/desativação e desintegralização (morte);

5.1 → ser-humano-por-hipótese = eventual ser humano que existiria em caso as condições para sua existência possível tivessem sido dadas, em realidades alternativas.

6 → vida humana = exercício de existência do ser-humano-vivo;

7 → célula-ovo/zigoto/embrião/feto-acéfalo/recém-falecido = matéria orgânica de nossa espécie que não possui formados e/ou integralizados/organizados o cérebro, cerebelo, bulbo, córtex ativo e operante, mesencéfalo, tálamo, hipotálamo, ponte etc;

8 → morte (do ser-humano-vivo) = morte que ocorre quando parte substancial do encéfalo do ser-humano-vivo é agredida sem possibilidade de reversão;

9 → presunto = Extinto-ser-humano. Estado em que se encontra o cadáver após o cérebro morrer e antes da última célula viva do ser-humano-vivo transitar da vida para a não-vida;

10 → cadáver = Extinto-ser-humano. Estado em que o organismo se encontra após a última célula viva do ser-humano-vivo transitar da vida para a não-vida;

11 → morte cerebral = morte (do ser-humano-vivo);

12 → Expectativa = potência contingente;

13 → potência contingente = evento possível que pode ocorrer ou pode não-ocorrer. Ex: uma criança tem potência para se tornar idosa... ou não, em caso morra antes dos 40;

14 → potência absoluta = evento possível que no Plano EX é necessária, sendo invariável, imutável, independente e não-condicionada a fatores alheios. Ex: idosos têm potencial para se tornarem cadáveres;

15 → Homicídio/Assassinato = remoção (tida como injustificada) da vida de um ser-humano-vivo;

16 → natural = tudo aquilo que ocorre na natureza;

17 → natural-artificial = tudo aquilo que ocorre na natureza disposto por intervenção humana;

18 → natural-natural = aquilo que ocorre na natureza sem quaisquer intervenções artificiais;

19 → Homicídio/Assassinato Intra-Uterino = subtipo de homicídio que consiste na remoção (tida como injustificada) da vida de um ser-humano-vivo enquanto este encontra-se alojado no útero;

20 → Interruption = eliminação da concretização do potencial de conversão de que determinada matéria-orgânica gozava de integrar componente da não-vida que transitou para o estado de ser-humano-vivente. Subdivide-se nos subconjuntos Abortos e Contracepção;

21 → Aborto = Subconjunto do conjunto Interruption. Consiste em eliminação da concretização do potencial de conversão de que determinada matéria-orgânica-fecundada gozava de integrar componente da não-vida que transitou para o estado de ser-humano-vivente;

22 → Contracepção = Subconjunto do conjunto Interruption. Consiste em eliminação da concretização do potencial de conversão de que determinada matéria-orgânica-não-fecundada gozava de integrar componente da não-vida que transitou para o estado de ser-humano-vivente. Ou seja, o mesmo que o adolescente faz quando usa camisinha.

Dito isso, pense no meu eventual irmão, chamemo-lo Sinfrônio, que nunca existiu porque meu pai decidiu gozar fora "aquela noite lá". Sinfrônio não chora no mundo da inexistência porque não existiu. Sinfrônio não sofre por não ter existido. Sinfrônio nunca existiu para pensar o que quer que seja do fato de que nunca transitou da inexistência para a existência. Agora pense no meu eventual irmão, chamemo-lo Beto, seres-humanos-por-hipótese, que tampouco existiu porque o processo que eventualmente poderia culminar em sua existência foi interrompido enquanto este era ainda uma célula-ovo, zigoto, embrião ou feto-acerebrado. Tal como Sinfrônio, Beto jamais existiu enquanto ser-humano-vivo. E não existiu porque o processo que culminaria em sua existência fora brecado antes de sua conclusão.
 
Temos assim que Sinfrônio e Beto são comparáveis, pois ambos compartilham uma característica em comum: nunca existiram. E temos assim que Sinfrônio, Beto e Tonhão são comparáveis, pois ambos compartilham uma característica em comum: estão não-vivos. Beto e Tonhão compartilham uma intersecção em sua trajetória de movimentos opostos: compare com um nadador a 3m. de profundidade que sobe em direção à superfície, enquanto outro mergulha submergindo em direção ao fundo. Em dado momento, ambos os nadadores encontram-se no mesmo estágio de profundidade (ex: 1,2m.), o que os difere é a direção que tomam. O mesmo ocorre com o feto-acerebrado sendo gerado e um feto de 5 meses de gestação que acabou de morrer. Pensando neste, vamos dizer que o feto que acabou de morrer tem um 1 trilhão de células, sendo que mais células são deformadas a cada minuto e um feto que está sendo gerado tem 999 bilhões de células vivas, com mais sendo geradas a cada minuto. Eles vão se encontrar no meio, passar pela mesma fase ontológica, residindo a discriminação entre eles no caminho que percorrem. Um transita da não-vida para a vida, formatando os mecanismos necessários à conceição de sua vida-humana, e outro transita da vida para a não-vida total de todas e cada uma de suas células (mas o status de vivo foi perdido no instante em que o cérebro morreu). Primeiro o cérebro, depois as demais células em cadeia, até deixar de ser presunto e passar a ser cadáver (ver 10 → cadáver). Comparando com Tonhão, o cérebro está todo formado e ok.. O que o separa da vida? Dois tiros, que deram uma "bagunçada" em algumas regiões do cérebro. Veja que essa desorganização é o suficiente para conduzir Tonhão ao status de não-vivo. E se é assim, tanto mais ocorre com Beto cujo aparato encefálico está muito aquém disso!
 
Sim, já me adianto. Verdade que o feto está em desenvolvimento e que o feto é um projeto do componente que um dia pode vir a ser um ser-humano-vivo, detendo portanto potência para isso,

(1) mas ambos (espermatozoides, cadáveres e fetos acerebrados) não são seres-humanos-vivos, que é o que importa para efeitos de catalogação.

Enquanto o feto não viver, não daremos a ele a importância que damos a um ser-humano-vivo porque... ele não é ser-humano-vivo.

 

Portanto, no aborto, você não comete assassinato/homicídio. E o que é homicídio? Homicídio é a remoção (tida como injustificada) da vida de um ser-humano-vivo. Não é o homicídio eliminação do eventual potencial de uma determinada matéria orgânica de vir a ser um ser-humano-vivo. São conceitos completamente distintos, perceba isso!

 

A linha do tempo importa! Uma criança é um projeto do que um dia pode vir a ser um adulto, mas não é um adulto. Um adulto é um projeto do que um dia pode vir a ser um idoso, mas não é um idoso. Um idoso é um projeto do que um dia será um cadáver, mas não é um cadáver. Um estudante de Medicina é um projeto do que um dia pode vir a ser um Médico, mas não é um Médico.

 

No aborto, não se mata um ser-humano-vivo, mas elimina-se a concretização do potencial de conversão de que determinada matéria-orgânica gozava de integrar componente da não-vida que transitou para o estado de ser-humano-vivente (o mesmo que o adolescente faz quando usa camisinha - 'Vide 20 → Interruption'). E é por isso que se chama aborto, rsrsrs. Porque você aborta! Ou seja, elimina essa eventual possibilidade de existência via procedimento medicamentoso/cirúrgico.

 

Temos assim que a célula-ovo, zigoto, embrião e/ou feto-acéfalo são meros estágios de desenvolvimento do recipiente/casca/cápsula com potencial de abrigar um ser-humano-vivo, gozando do exercício da vida humana. Esta, a vida humana, inicia-se com a ativação do cérebro minimamente formado e encerra-se com sua desativação.

 

Soa, portanto, tão razoável exigir das gestantes que gerem a célula-ovo, zigoto, embrião e/ou feto-acéfalo até que tais materiais orgânicos progridam e formatem cérebro e, portanto, adquiram vida humana PORQUE se pensa no bem da possível futura criança, quanto o soa exigir dos adolescentes que não se privem de sexo, nem muito menos que utilizem de contraceptivos. Que deveriam estes ser forçados a fazer sexo todos os dias, o dia todo. Aproveitando todas e cada uma das janelas de oportunidade pro máximo de eventuais futuros seres-humanos-vivos virem à existência. Ou, ainda, exigir que um hospital privado de última geração disponibilize seus aparelhos de UTI para manter o presunto de Tonhão operante até que a Ciência adquira tecnologia e ciência necessárias para reverter seu estado de óbito. Rotulando os médicos que desligassem essa aparelhagem como assassinos.

 

A diferença no estado/condição temporal ontológico entre ambos os entes Sinfrônio e Beto (- ou seja, não-vida), inexiste. O que os distingue é tão somente a substância desses entes e o grau de expectativa de que o télos conduza à concretização do seu potencial (um estudante de Medicina no 7º período detém mais expectativa de virar médico do que um estudante do 1º período na facul). Estando Beto mais próximo da concretização desse potencial - conquisto da vida-humana - do que Sinfrônio. Por exemplo: Um cachorro morto e um leão morto estão ambos na mesma condição ontológica (não-vivos), embora sejam entes substancialmente (cachorro e leão) distintos.

 

(2) detém o feto acerebrado potência contingente para se tornar ser-humano-vivo. E por quê? Porque uma vez associado aos mecanismos indispensáveis a essa consecução, possui o feto acerebrado télos que o direciona a tornar-se necessariamente ser-humano-vivo, não uma cadeira. E porque é contingente e qual a importância disso para a questão? É contingente porque a potência do feto-acerebrado e do espermatozoide para efetuar eventual conversão em ser-humano-vivo não é certa e determinada nesse processo de transição. É, portanto, uma mera expectativa contigencial. É contingente porque o feto-acerebrado e espermatozoides não encerram em si próprios da disposição dos elementos para efetuar essa transição. O espermatozoide depende, para efetuar essa transição em ser-humano-vivo, de unir-se ao óvulo, nidar-se e gastrular com eficácia, receber genes da gestante, nutrientes, anticorpos e um útero saudável que possibilite essa transição. Já o feto-acerebrado tampouco dispõe em si próprio dos elementos necessários para efetuar a transição para ser-humano-vivo. O feto-acerebrado depende da aquisição de genes da gestante, substâncias, nutrientes, anticorpos e um útero saudável que possibilite a promoção dessa metamorfose bioquímica até a aquisição do aparelho encefálico. Oras, mas o cadáver também tem a potência de se tornar um ser-humano-vivo, desde que entre em contato com substâncias (que a Ciência de nossa época desconhece, pois não sabemos ressuscitar mortos) que possibilitem a reversão do quadro de óbito.

"Pode-se com clareza distinguir a essência de um espermatozoide das essências de um zigoto, um embrião, um feto desprovido de aparelho cerebral e, ainda, da essência de um ser-humano-vivo. Um embrião não equivale a um ser-humano-vivo. A união de um espermatozoide com um óvulo é condição necessária para formar o zigoto, mas não suficiente para gerar um ser humano. A informação genética proveniente dos progenitores não é suficiente, é necessária um conjunto de outras informações providas pela gestante da placenta. (...) O zigoto pós-nidação não é um ente biológico formatado e terminado, isto é, no processo de intercâmbio placentário, a gestante não apenas provém ao feto o ambiente propício para seu desenvolvimento, oxigênio e nutrientes, eliminando substâncias residuais e o dióxido de carbono gerado pelo embrião evitando que o feto se intoxique, mas também oferta ao feto anticorpos e, muito especialmente, genes. Disso desenvolve-se o complexo processo que irá culminar em corrupção da matéria à conceição de um novo ser, que formata/constrói lentamente o código genético do feto e sua possibilidade de independência fora do útero. Sem isso, seria a gestação inviável. Por sua vez, também o feto insere no organismo da gestante genes variados que instam o organismo desta a produzir na placenta uma série de substâncias que adéquam o ambiente uterino às necessidades do próprio feto. De modo que tanto a gestante, quanto o feto sofrem mudanças epigenéticas ao longo da gestação e que sem os mecanismos dessa íntima relação entre ambos, o nascituro não progrediria na placenta. Os humanos são mamíferos placentários. Somos mamíferos por termos pêlos e produzir leite e placentários porque o desenvolvimento somente pode ocorrer dentro do útero. Cabe destacar que nenhum laboratório até o presente conseguiu gerar um embrião de mamífero fora do útero materno durante todo o período gestacional e que produzir esse placentário ambiente de permuta informacional mostra-se tão simples quanto produzir um cérebro artificial. Temos assim que não procede os rumores de que na concepção o embrião já é um ser terminado e independente da mãe sendo, portanto, um ser já apartado e individual. (...) A concepção é, na verdade, um processo que envolve além da reunião dos gametas masculino e feminino, a adição de um outro fator, a complexa rede de materiais genéticos que a gestante oferta ao feto no processo de gestação (ou diríamos mesmo de concepção continuada). Mal comparando, considerar o resultado da nidação como indivíduo humano parece-me ser ontologicamente equivalente a dizer que se colocarmos parte dos ingredientes de uma Batida de Conhaque no liquidificador estaríamos nós autorizados a insinuar que a mistura resultante é uma Batida de Conhaque, quando esta receita necessita não apenas da agremiação dos ingredientes ali postos, mas também de um liquidificador operando e da adição do Conhaque após três minutos sendo batida em velocidade média para efetuar essa transição de estado. (...) É o embrião, portanto, tão potencial ser-humano quanto um espermatozoide, diferindo-se ambos apenas e tão somente no âmbito das etapas vencidas." (KORNBLIHTT, Alberto, Embriogénesis: inscripciones genéticas, p. 378-379; KORNBLIHTT, Alberto, et. al. - Intragenic epigenetic changes modulate NCAM alternative splicing in neuronal differentiation, p. 34-35)


Reiterando esse pensamento, Baruch Brody - doutor em Medicina e Neurociência e Professor de Bioética no Baylor College of Medicine - diz em Identity and Essence que o protagonismo do cérebro como motor da animação do organismo deve ser levado em consideração. Tal qual extrair de um triângulo um de seus ângulos ou inseri-lo é elemento substancial que definirá a forma posta como Triângulo ou não, por simetria, tornamo-nos seres humanos com a atuação dos órgãos encefálicos, assim como morremos quando elementos substanciais do encéfalo morrem. E como isso ocorre? Em Life and Death Decision Making e em The Ethics of Biomedical Research, Brody expõe uma série de estudos que demarcam o entendimento hegemônico em sua área que demarcam a importância da atuação ou não do cérebro para os organismos encefálicos. É o cérebro quem constitui e harmoniza a vitalidade do nível do organismo, que coordena a rede nervosa que conecta os apetrechos dos sistemas e que, portanto, dá unidade somaticamente integradora ao corpo, transformando-o de mero conjunto de órgãos e tecidos em organismo como um todo.


Temos assim que o cérebro é o centro de operações do organismo, com todos os demais órgãos orbitando como acessórios em redor dele e para ele, tendo eles como função-primeira a manutenção da existência do órgão-central. A extensa miríade de exemplos dessa cadeia funcional é citada tanto por Brody, quanto por David Boonin em A Defense of Abortion. A função-primeira dos rins é filtrar o sangue que será levado ao cérebro. A função-primeira do coração é bombear o sangue filtrado para o cérebro. A função-primeira dos pulmões é absorver gases, oxigenando o cérebro. A função-primeira dos olhos é capturar informações do meio que serão decodificadas e processadas pelo cérebro. Por óbvio que, numa hipotermia, por exemplo, o hipotálamo desliga a temperatura dos membros para concentrar energia na manutenção do tronco e do cérebro, posteriormente, remaneja a energia restante para manter o encéfalo aquecido e, então, também ali a temperatura é perdida para o ambiente, trazendo óbito ao organismo. Quando os pulmões param de absorver oxigênio ou o coração entra em processo de parada cardíaca, o mesmo ocorre. Como o progresso científico bem demonstrou, não está a "animação humana" alojada nos intestinos ou no coração, como os antigos pensavam, mas sim na cabeça. Podemos doar rins, pulmões, fígados e corações, que "as pessoas" não vão juntas com o transplante. Em contrapartida, se a cabeça de Tício for transplantada para o corpo de Mévio, certamente quem há de viver é Tício (cérebro), usando os órgãos de Mévio para promover essa manutenção da vida (do cérebro/Tício).


Dizer, pois, que o feto acerebrado é ser-humano-vivo seria, sei lá, o mesmo que colocar os ingredientes de uma batida no liquidificador e insinuar que aquela mistura tem a potência de se tornar uma batida de conhaque, rsrs. Não, crlh! rs, ela depende do liquidificador operando (ente externo) e da adição do conhaque após 3 minutos sendo batida para efetuar essa transição de estado. Compare-se: Um estudante de Medicina goza de potência contingencial para ser Médico. Contudo, não pode ele afirmar que será médico, pois a contingência justamente significa que a efetivação dessa potência de que ele goza depende da manutenção de vários eventos incertos. Seu pai precisa pagar as mensalidades faltantes, ele precisa ser aprovado em todas as cadeiras, lograr êxito na apresentação do TCC, não morrer antes da diplomação, não desistir do curso, obter registro junto ao CRM, etc. Se o pai dele perder o emprego e não conseguir mais pagar a fuckmensalidade, isso não significa que o pai matou um médico, mas simplesmente que restou frustrado o potencial de transição do estudante de Medicina em Médico em virtude de não satisfação das condicionantes contingentes postas.

Perceba que nos três casos, não dispõe os entes por si próprios das características necessários à mudança de status, necessitando do incremento de outros adjacentes que podem não ocorrer, daí a contingência. Tal como o espermatozoide, tal como o estudante de Medicina, o feto sem cérebro é apenas e tão somente o espermatozoide com algumas etapas vencidas.

 

E por que essa discriminação de potências é importante? Porque inibem a frequente e indevida extrapolação da expectativa do potencial contingente do ente, no caso, o feto acerebrado. Ou seja, dizer que o feto acerebrado só não se converte em ser-humano-vivo em caso de não conseguir nidar-se e gastrular com eficácia, não recebe genes da gestante, ou nutrientes, ou anticorpos ou um útero saudável que possibilite essa transição é o mesmo que dizer que um espermatozoide só não se converte em ser-humano-vivo quando não consegue unir-se ao óvulo, ou quando não consegue nidar-se e gastrular com eficácia, não recebe genes da gestante, ou nutrientes, ou anticorpos ou um útero saudável que possibilite essa transição. É o mesmo que dizer que o estudante de Medicina só não se transforma em Médico quando ele morre, ou quando o pai perde o emprego e não pode mais pagar a mensalidade, ou quando ele reprova, ou quando ele desiste do curso, ou quando ele não obtém registro no CFM :V Ou seja, verdade. Ele só não consegue concluir essa transição quando não dispõe dos instrumentos necessários a isso. E daí? n situações brecam a conversão do estudante de Medicina em Médico, do espermatozoide ou feto acerebrado em ser-humano-não-vivo. Por que acha que a informação de que uma mistura só não vira conhaque se não for batida conduz à conclusão de que devemos bater a mistura?

 

Foi a procura do instrumento lógico de definição de quando o ser humano morre que definiu a base lógica, por simetria, que nos conduz à conclusão de quando o ser humano surge. Da forma como as sociedades entendem no quesito de relevância, não tratamos cadáveres como seres humanos e o critério pra distingui-los é a operação cerebral. Se dada operação existe, ser humano vivo é. Se não existe, é cadáver. E, nessa esteira, descobrimos um vácuo que vai desde a concepção até a formação da ativação cerebral em que a matéria orgânica em estágio de desenvolvimento não é ser-humano-vivo, daí fica autorizada nesse período a possibilidade de interromper a gravidez, visto, tal qual na contracepção, não termos um ser-humano-vivo em jogo. Haja vista, observe-se que nos fetos humanos, o protótipo de coração e outros órgãos surgem a partir do 1º mês e dois dias de gestação. O sistema nervoso, por sua vez, inicia seu desenvolvimento a partir da terceira semana de gestação, esse rol de mecanismos será integralizado pelo sistema nervoso central a partir do 6º mês de gestação, período que o feto leva para desenvolver os elementos substanciais da neurogênese, desenvolvendo capacidade de ter sensações como dor e alegria, e que dá largada no processo que continua ocorrendo após o nascimento e até na fase adulta. Já os elementos substanciais dos mecanismos de atividade cerebral, mais especificamente da subplaca do tálamo e placa cortical, associados ao surgimento da individualidade da UAO ocorrem a partir da 14ª semana de gestação, sendo que a maioria dos países só aprova o aborto até 12 semanas, para dar 2 semanas como margem de segurança.


(00) My Body, My Choice (Meu Corpo, Minhas Regras)!:
A partir dos conceitos sobre vida humana acima expostos, vamos começar essa reflexão notando o argumento de “Cada um faz o que acha melhor”, que é utilizado como resposta que qualifico como absurda aos anti-abortistas, pois o que está sendo discutido é muito sério: o feto abortado era tão ser humano quanto um idoso? uma criança de cinco anos? um bebê de colo? interromper a gestação é um assassinato? De outro lado, se o feto sem cérebro não é um ser humano, isso significa dizer que via de regra subtraímos de alguém o importantíssimo direito à autodeterminação sobre seu próprio corpo em nome de algo que ainda não é alguém.

No processo de gestação, temos envolvidas na relação duas partes a considerar: a gestante e o feto. Se no caso concreto tratamos da relação entre um organismo sem UAO e a mulher, de tal modo que na lide temos de um lado um ser humano formado, completo e com direito reconhecido à autodeterminação (que está sendo requerido quando da manifestação do desejo de abortar) e, do outro, temos um ser que tem apenas potencial de ser pessoa, mas ainda não é. Então, a primeira parte tem a soberania completa dessa interação sobre a segunda, que, aliás, não existe. E, não existindo, não pode pleitear um direito que não possui.

Quando tratamos da relação de um feto com UAO e a mulher, o popular slogan de Betty Friedan fica deslocado e desconexo. Afinal, não se trata mais de ditar absolutamente o direito à autodeterminação quando falamos num ser humano que está alojado no corpo de outro ser humano em desenvolvimento. Trata-se, na verdade, de mediar os interesses (direito à vida x direito à autodeterminação sobre si próprio) das duas partes envolvidas da melhor forma possível (que varia no caso concreto).

Por isso é tão importante investigar quando e como um feto, que tem potencial de tornar-se ser humano, passa a sê-lo de fato. E é este milagre que a gestação faz: toma partes do mundo e constrói/formata a partir delas a constituição de um novo ser humano humano.

Acho interessante avaliarmos a História das Discussões a Respeito do Aborto e os insights que dela brotam:
Tão antiga quanto a humanidade, a prática do aborto, ao contrário do que muitos podem pensar, possuía ampla aceitação em grandes civilizações antigas.

No Egito papiros de Kahun, Ebers, Berlim, Carlsberg e Ramesseum descrevem o aborto como “abandono do estado de gravidez”, que consistiam em lavagens de vários tipos, como a realizada com azeite muito quente.

Por influência do pensamento estoico, o feto não era considerado humano na Grécia antiga até que respirasse. Apesar disso, a partir de leis como as de Licurgo e de Sólon e a legislação de Tebas e de Mileto, o aborto - sob protagonismo da mulher - era tipificado como crime em decorrência da violação aos direitos do homem sobre sua prole. Sócrates defendia que o aborto fosse um direito materno.

Os debates a respeito do aborto já na Grécia Antiga eram quentes. Hipócrates escreveu proibindo que médicos usassem pessários para induzir o aborto. Alguns veem nisso um tipo de vedação ao aborto, mas a erudição contemporânea tem um razoável entendimento firmado de que a intenção orbitava mais na conclusão dos médicos antigos de que os instrumentos poderiam provocar úlceras vaginais e que o procedimento foi interpretado como demasiado perigoso para ser encorajado. Aristóteles e Platão defenderam o aborto, tendo o primeiro escrito longos tratados a respeito da organogênese (falaremos sobre ela abaixo) considerando o momento em que o ser humano ganha "vitalidade" e o segundo abordado a questão sociológica, recomendando o aborto para limitar o tamanho da família, conservar a saúde do corpo das mulheres maduras e como modo de cortar despesas e, assim evitar doenças e a fome. Em Política, defende que esse direito era reservado à mãe.

O Direito romano não atribuía personalidade jurídica ao nascituro, pelo que na Roma Antiga o aborto era permitido. No século II d.C., Septímio Severo e Caracala promulgaram alguns éditos criminalizando o aborto, tal dispositivo jurídico tinha o objetivo principal de tutelar os direitos do pai e resolver conflitos de sucessão. Ulpiano escreve em Digest que: "Um nascituro é considerado nascido, na medida em que diz respeito a seus lucros."

No período medieval não foi diferente. Não apenas estudiosos e acadêmicos, mas também santos e doutores defenderam a tese de que a "alma" era infundida no corpo para viabilizar o projeto humano em momento posterior à concepção. Nas penas da época, essas posições ficaram conhecidas como Animação Imediata e Mediata. A esse respeito, a Animação Mediata - que é a que nos interessa aqui - defendia que a Alma era infundida no corpo após a conclusão da organogênese. Dentre os defensores da Animação Mediata, encontramos Santo Agostinho, Tertuliano e São Tomás de Aquino.

Tal como para Aristóteles, para Santo Tomás a alma é forma e enteléquia de um corpo vivo e orgânico, que tem a vida em potência. Em 412 a11, Opera Omnia, Iussu Leonis XIII, explica que o embrião possui alma vegetativa porque embora não se reproduza, cresce e alimenta-se. No entanto, só alcançará o estatuto de ser humano, uma vez perfeitos os órgãos adequados ao desempenho das funções vitais. Considera que a alma intelectiva vem de fora, sendo criada por Deus e junta ao corpo uma vez concluída a organogénese (Suma, I Parte, Questão 118, Artigo 2). Ao princípio o embrião tem uma alma apenas sensitiva que é substituída por outra mais perfeita, ao mesmo tempo sensitiva e intelectiva (Suma, I Parte, Questão 76, Artigo 3, à 3ª objecção). A alma intelectiva é a única forma substancial do homem (Suma, I Parte, Questão 76, Artigo 4).
As almas vegetativas e sensitiva são engendradas a partir do sémen, mas a alma intelectiva, que tem operações vitais incorpóreas, não pode ser gerada pela matéria, sendo criada por Deus uma vez completada a geração humana (Suma, Questão 118, Artigo 2). Ou seja, à luz desta teoria, o embrião não é um ser humano, só ganhando tal estatuto quando devém feto, momento em que recebe a alma intelectiva. No projecto humano intervêm geração e criação, sucedendo-se no tempo. Se o embrião perecer antes da intervenção criadora não chegará a alcançar a humanidade. Já quanto ao período em que ocorre, a opinião a esse respeito não era unânime ou exata, variando entre 40 a 90 dias após a concepção, sendo a posição de Aristóteles (História dos Animais, VII, 583b, 1-5) a mais seguida, sobretudo pela vertente tomista.

"Segundo a fé é necessário afirmar que a concepção de Cristo foi simultânea...portanto que a concepção de Cristo não preceda temporalmente a [disposição] da natureza de sua carne... sendo necessário que a consideremos ter sido simultânea, estabelecendo que ambas [a concepção da alma e da formação do corpo] fossem no instante... ou seja a sua animação. Nos demais, porém, isso se dá sucessivamente, de tal modo que não há a concepção da matéria senão no quadragésimo dia, tal como ensina o Filósofo no nono livro Acerca da geração dos animais." - III Sentenças, d.3, q.5, a.2, c

Temos assim a posição de Aristóteles reiterada, enunciando que, tal como para o embrião seu movimento se nota, no ordinário, em torno dos quarenta dias e no embrião feminino, em torno dos noventa, somente haveria animação depois da completa disposição orgânica do embrião, o que é comentado em Super Iob, c.10

"Nesta geração do homem, em primeiro lugar, ocorre a soltura do sêmen... em segundo lugar, ocorre a conflagração da massa corpórea no útero da mulher. Deste modo se une o sêmen do macho com a matéria que subministra a fêmea, para a geração do homem e o mesmo ocorre com a geração dos outros animais... em terceiro lugar, ocorre a distinção dos órgãos, cuja consistência e o rubor é na verdade, pelos nervos e ossos, que são cobertos por carnes e pele... em quarto lugar, porém, é a animação do feto, especialmente com a alma racional que não é infundida senão depois da organização... e, por último, é porém a consecução da vida tanto no útero materno quanto fora dele, sendo parte desta conservação correspondente aos princípios naturais e parte correspondente aos benefícios que Deus acrescenta à natureza." - Super Iob, c.10"

Ainda na Summa reitera:
"Portanto, deve-se dizer que o princípio da infusão da alma pode ser considerada sob dois aspectos. Por um lado, segundo a disposição do corpo. E, nesse sentido, a alma não foi infundida ao corpo de Cristo de maneira diferente do que é infundida aos corpos dos outros homens. Pois, assim como nos outros homens, uma vez formado o corpo lhes é infundida a alma, assim também em Cristo. De outro modo, esse princípio pode ser considerado unicamente segundo o tempo. Por ter sido formado perfeitamente o corpo de Cristo com anterioridade temporal, também recebeu antes a alma." (Sum. Theo., III, q. 33, a.2, ad1)

"suposto que o corpo humano forme-se antes que a alma seja criada... conclui-se, porém, que uma parte é anterior à outra. Isto não traz inconveniência, porque a matéria é anterior à forma quanto ao tempo, enquanto está em potência para a forma, não enquanto está em ato completado pela forma, pois neste caso, é simultânea à forma... Por isso, o corpo humano, enquanto está em potência para a alma, isto é, enquanto não tem alma, é, no tempo, anterior à alma, não sendo então humano em ato, mas em potência somente." (Contra Gentiles, II, c.89, n. 1752)

Esta posição foi forte e vigora no corpo teológico, acadêmico e jurídico por séculos. Tendo o Direito Canônico medieval distinguia corpus formatum (corpo em condição potencial de receber a alma convertendo-se em feto animado) e corpus informatum (corpo que não chegou ao estágio de corpus formatum), o que não impedia da Lex Romana Visigothorum editar penas contra o aborto. Por exemplo, no Comentário ao De anima do Cursus Conimbricensis (Comentarii Colegii Conimbricensis, In tres libros de Anima Aristotelis Stagiritae, Conimbricae 1598, Liber II, Caput I, Articulus II, pág. 59) encontramos:

"Assim, conquanto o feto permaneça na matéria alguns dias, sob a forma vegetativa, a seguir a esta intervenção sucede a forma sensitiva e, do mesmo modo, a esta, a intelectiva. Não admira que as duas primeiras não se extingam por nenhum ataque ou embate de inimigo externo. Na verdade, como a primeira é via ou preparação para a segunda e a segunda para a terceira, as duas primeiras recebem na matéria as disposições que somente durante certo espaço de tempo mantêm, dando lugar à forma principal, à qual precedendo, servem deste modo de guardiãs. Que a alma intelectiva não enforma imediatamente, desde o princípio a matéria do feto, amplamente o demonstram alguns decretos dos Cânones sagrados que acrescentam o seguinte, (...), no Capítulo 32, questão 2, quando se diz que não é cometido homicídio por aquele que mata no útero o feto antes da infusão da alma, isto é, da alma racional, porque ainda não se pode dizer que nasceu o homem."

Em 29 de outubro de 1588, o Papa Sisto V publicou a Bula Effraenatam condenando o aborto e impondo pena canônica a quem o praticasse. Porém, em 31 de Maio de 1591, Gregório XIV publicou a Sedes Apostolica, onde distinguiu entre feto animado e inanimado, reservando pena menos severa para o aborto de feto inanimado e autorizando o aborto (do feto inanimado). Em 2 de Março de 1679, Inocêncio XI Publicou 65 condenações da doutrina moral Laxista, onde nos nºs 34 e e 35 condena: 'É lícito procurar o aborto antes da animação do feto, para que a menina descoberta grávida não seja morta ou desonrada.' e 'Parece provável que todo feto (enquanto se encontra no útero) não tenha alma racional e que comece inicialmente a tê-la quando é parido: como conseqüência se poderá dizer que em nenhum aborto se cometerá homicídio.' (Denz. 2134-2135). Perceba-se, assim, a convicção consensual de que há distinção entre feto animado X inanimado, a Doutrina fechada sobre o feto animado e as interrogações que vêm no proceder para com o feto inanimado. Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor em Moral da Igreja, ressalta (Teologia Moral Tomo II, Trat. IV, Cap. I, nº 393-398) como a animação mediata basicamente era um consenso dos moralistas, ao qual ele adere. Diz ele:

"Se o aborto é absolutamente necessário para salvar a vida da mãe, devemos adotar as seguintes regras: 1º. Se o feto há de causar a morte da mãe, e é provável que ainda não esteja animado com uma alma racional, alguns permitem expelir o feto com intenção direta, como Sánchez (De Martin, lib. 9, disp. 20, n. 9 - Henriq., lib. II, capo. 16, nº 8), Henriquez, etc., contra Lessius (Loc. cit., n. 61) e outros, cuja opinião deve ser seguida na prática. Por que razão expeli-lo diretamente, se é lícito e suficiente expeli-lo indiretamente? 2º. Se o feto está animado, e julga-se que a mãe morrerá junto com o feto, a menos que tome determinado remédio, é lícito tomá-lo. Segundo alguns, está até obrigada, buscando diretamente apenas sua saúde, mesmo que indiretamente, e como consequência, o feto morra, pois neste caso de necessidade, a mãe pode cuidar mais de si mesma do que da prole. (...) Pergunta-se, 1º. É lícito à mãe, sofrendo duma doença extrema, tomar um remédio que sirva diretamente para expelir o feto inanimado? É certo que expelir o feto, ainda que inanimado, é em si pecado mortal. Quem o expulsa é culpado de homicídio, como diz no cap. Si aliquis, de homicid., pois, embora não destrua a vida dum ser humano, impede proximamente a vida dum ser humano. - Por outro lado, todos consideram lícito dar à gestante um remédio que se ordena diretamente à sua cura, mesmo com risco de aborto, caso a doença da mãe seja mortífera. Dá-se o contrário caso a doença não seja mortífera, como bem adverte o Continuador de Tournely (De 5º Praec., art. 3, sect. I, concl. 2, v. Resp. 2. Cum mater). Dúvida: Neste caso é lícito dar-lhe um remédio que se ordena diretamente a expelir o feto? A primeira opinião o afirma, e é sustentada por autores de peso, como Sánchez (De Matrim., lib. 9, disp. 20, n. 9), Laymann (Lib. 3, tr. 3, part. 3, cap. 4, num. 4 - Silvest., v. Medicus, qu. 4, vers. Secundum. - Navar., Man., cap. 25, n. 62), com Silvestre, Navarro etc., além do Petrocorense (De Virtut., lib. 4, tr. 2, cap. 3, qu. I), Viva (InPropos. 34. XI, n. 9 et seqq), Mazzota (Tr. 4, disp. 2, qu. 3, cap. I, §I, v. Dico 4, qu. I), Habert (Tr. de Matrim., cap. 6, §2, qu. 5) e outros. - Argumentos: 1º. Como o feto é neste momento parte das vísceras, a mãe não está obrigada a conservá-lo correndo tão grande risco de vida. 2º. Neste caso a mãe pode expeli-lo como um agressor de sua vida; e embora o feto não seja um agressor voluntário, a mãe não está obrigada a sacrificar sua vida presente para conservar a vida futura da prole, sobretudo porque, morrendo a mãe, o feto não tem nenhuma possibilidade de sobreviver. - Santo Antonino (PArt. 3, tit. 7, cap. 2 §2) favorece essa opinião, dizendo: 'Se o bebezinho ainda não está animado com uma alma racional, o médico pode, e deve, ministrar tal medicamento, pois, embora impeça a animação do feto, contudo, não é a causa de morte dum ser humano, e produz algo bom, que é livrar a mãe da morte.' Com razão, Sánchez (Loc. cit., n. 7) excetua o caso em que há dúvida se o feto está ou não animado (ele afirma que essa é a opinião comum entre todos os doutores, contra alguns poucos), pois é intrinsecamente mau expor de forma positiva um inocente ao risco de morte. A segunda opinião, mais comum, ensina que é lícito à mãe tomar um medicamento que se ordena diretamente a curar sua doença, ainda que por isso o feto seja indiretamente expelido; não, porém, tomar um medicamento que se ordena diretamente a expelir o feto. Assim pensam Lessius (Lib. 2, cap. 9, num. 61 et 62), Lugo (De Just. et Jure, disp. 10, num. 131 et 132), Ponce (De Matrim., lib. 10, cap. 13, n. 2), Figliucci (Tr. 29, cap. 6, num. 101 et 102), Cabassut (Lib. 5, cap. 20, n. 8, só nega que seja lícito tomar um remédio que se ordena diretamente a curar a mãe, ainda que o feto seja por isso expelido indiretamente), o Continuador de Tournely (De 5º Praec., art. 3, sect. I, concl. 2, v. Resp. 1 et Resp. 3), Sporer (Part. 4 (de Matrim.), cap. 4, num. 704 et 709), Cardenas (Dissert. 22, num. 28 et 60), Bonacina (Disp. 2, de Restit. in part., qu. ult., sect. I, punct. 7, n. 3), os Salmanticenses (Tr. r3, cap. 2, n. 62 et 64), La Croix (Lib. 3, part. 1, n. 826), Holzmann ( De Praec. Decal., n. 597), Elbel (De Matrim., confer. 19, n. 464 et 165) e outros muitos. (...) Ambas as opiniões são prováveis. - Mas creio que, neste caso, devemos abraçar a segunda opinião, que é mais segura, pois a primeira opinião não ajuda em nada na prática, e parece que os doutores se esforçam em vão para defendê-la. Porque, como diz nosso Padre Busembaum, tomar um remédio que se ordena diretamente a expulsar o feto, quando é possível e suficiente expulsá-lo indiretamente? (...) Pergunte-se, 2º. É lícito à gestante adotar um tratamento que se ordene diretamente a curar a doença, se se teme que o feto animado sofrerá por causa disso um aborto indireto? Respondemos: Se o tratamento se ordena diretamente a matar o feto, como arrancar o útero, bater no ventre, etc., nunca é lícito. Mas se se ordena diretamente a conservar a vida da mãe, como tomar um remédio que purifica o corpo, cortar uma veia, tomar um banho, etc., é certamente lícito, quando se tem a certeza moral de que, se a mãe não fizer isso, ela morrerá junto com a prole. - Assim pensam Habert (De Matrim., cap. 6, §2, qu. 4, resp. 2) e o Continuador de Tournely (De 50 Praec., art. 3, sect. I, concl. 2, v. Resp. 4. Idem), seguindo a opinião comum. Dúvida: É lícito à mãe tomar um medicamento quando há dúvida se, com a morte da mãe, a prole poderá sobreviver e ser batizada? (...) Acho que devemos dizer o contrário, com Elbel, o Petrocorense (De Virtutib., lib. 4, tr. 2, cap. 3, qu. 2. - Elbel, de Matrim., num. 466), e o Continuador de Tournely (De 50 Praec., art. 3, sect. I, concl. 2, v. Resp. 4), com Sílvio (Sílvio [que não é citado pelo Continuador de Tournely a favor dessa opinião], nega que se possa usar tal remédio "se se espera que o feto saia vivo e seja batizado caso a mãe não tome o remédio... Mas se é muito provável que os dois morrerão se a mãe não tomar o remédio..., e se é possível salvar pelo menos a vida da mãe com ele, é provavelmente lícito tomar este remédio que é em si mesmo bom e se ordena à saúde da mãe, desde que não seja tal, que se ordene diretamente a matar a prole [in 2am 2sc, qu. 64, art. 7, qu. 4, concl. 5]), Habert, Comitolo (Comitolo, Resp., lib. 4, qu. 13, n. 6, diz em termos absolutos que é possível tomar o remédio; dentre os argumentos em que se baseia, destaca-se este: "Porque raramente acontece de o bebê, ligado ao ventre da mãe, não morrer da mesma doença que mata a mãe. Como, portanto, em se tratando da vida, devemos seguir o que é verossímil e acontece quase sempre, o médico pode seguramente dar o medicamento à mulher grávida, para que a mãe seja salva e não pereçam tanto ela como a prole".) e a opinião depois da morte da mãe, de tal modo que o bebê pudesse receber a graça do Batismo, pois neste caso parece que a caridade não obriga a mãe, que está em extrema necessidade, a que negligencie sua vida, abstendo-se dos remédios, por causa da esperança exígua e remotíssima de sobrevivência da prole. (...) Pergunta-se, 3º. A partir de quando se considera que o feto está informado por uma alma? Inocêncio XI condenou a proposição 35 que dizia: 'Parece provável que todo feto, enquanto está no útero, carece de alma racional, e só a recebe quando nasce. Por conseguinte, devemos dizer que nenhum aborto é homicídio. - Por outro lado, alguns dizem incorretamente que o feto está animado desde o primeiro instante da concepção, pois o feto não pode ser animado antes de ser formado como se deduz da Sagrada Escritura, no livro de Êxodo XXI, 22 e 23, onde está dito: 'Se ferirem uma mulher grávida, e sair do ventre dela um feto não formado, serão multados... Se o bebê estiver formado, dar-se-á alma por alma.' É certo que o feto não é animado imediatamente [após a concepção]. - Lessius [Lessius, lib. 2, cap. 9, n. 65, refere essa opinião como sendo falsamente atribuída a Hipócrates por Lemnius. Mas Lessius cita Hipócrates como se ensinasse que o macho é formado no ventre em no máximo 30 dias, e a fêmea, em no máximo 42. E Hipócrates de fato ensina isso na obra de Natura Pueri (p. 46, na edição da Basiléia, 1546)] considera, a partir de Hipócrates, que o menino é animado em no máximo 30, 35, 40 ou 45 dias; e a menina, 35, 40, 45, ou 50 dias. Assim pensam Lugo (De Just. et Jure, disp. 10, n. 133. - Bonac., de Restitut. in part., disp. 2, qu. ult., sect. 1, punct. y, n. 4-Fill., tr. 29, n. 99), Bonacina e Figliucci, apud Salmanticenses (Tr. 13, cap. 2, n. 59). Mas Busembaum (Busembaum cita essa opinião comum, mas ele mesmo não a segue, pois acrescenta: "Mas isso é muito incerto") (como disse no n. 394), Elbel (De Matr., n. 470. - Salmant., tr. 13, cap. 2, n. 59, Azor, part. 3, lib. 2, cap. 4, qu. l . Silvest., v. Homicidium I, n. 3. - Holem., de Praec. decal., n. 598 - Anaclet. Reiffenst., tr. 9, dist. 3, n. 34), e os Salmanticenses com Santo Tomás, Azor, Silvestre e a opinião comum, confessa o mesmo P. Holzmann, dizem que o menino se forma e é animado num espaço de 40 dias; e a menina, num espaço de 80 dias. - Anacleto, etc., apud Elbel (Loc. cit. n. 470), atesta que esta opinião vale para o foro externo, com respeito às penas por homicídio. Santo Tomás (In 3. dist. 3, qu. 5, art. 2, corp.) diz o seguinte: 'A concepção do menino não termina senão em 40 dias, como diz o Filósofo; já a concepção da menina, em 90 dias. Mas Agostinho parece acrescentar mais seis dias para a perfeita formação do corpo do menino'. O Continuador de Tournely (De 50 Praec., art. 3, sect. I, v. Quaeres I. . Glossa, in clem. un de SS. Trinitate, v. Simul unitas. - Navar., Consil., lib. 5. tit. de homicid., consil. 46, n. 2.) diz que, neste ponto, devemos seguir a Glosa e os teólogos, que, quase todos, consideram que o feto de sexo masculino é animado no quadragésimo dia; e de sexo feminino, no octogésimo. - A S. Penitenciária, ao julgar os casos de irregularidades e ao aplicar as penas, segue essa opinião, como diz Sílvio (in 2am 2ac, qu. 64, art. 7, quaer. 4, concl. 5, i. f), a partir de Navarro.

394 - Pergunta-se, 4º. A que penas estão sujeitos os que abortam? Sisto V, no ano de 1588, publicou uma bula, cujo título é Effrenatam, e que aparece no Bulário (Bullar. Mainardi, tom. 5, part. I, fol. 25). - Nela, o Pontífice submeteu todos os que, com plena advertência, procuram abortar um feto, quer esteja animado quer inanimado, e todos os que de algum modo consentem com o aborto ou que dão às mulheres remédios abortivos, às mesmas penas aplicadas ao homicídio, tanto pelo direito civil como pelo canônico. As penas são estas: privação de todo privilégio clerical, dignidade ou benefício eclesiástico, bem como a inabilidade para adquiri-los posteriormente. Impôs sobretudo a pena de irregularidade e excomunhão, na qual se incorre ipso facto (depois que se seguiu o efeito do ato). A dispensa e a absolvição de tais penas ficam reservadas ao Romano Pontífice. Contudo, Gregório XIV, na bula Sedes Apostolica, publicada no ano de 1591, removeu a pena de irregularidade e excomunhão pelo aborto dum feto inanimado. Deixou, porém, em vigor as penas de irregularidades e excomunhão, reservadas ao Papa, pelo aborto dum feto animado. Mas concedeu a faculdade de absolver da excomunhão tanto aos bispos como a outras pessoas designadas por eles especificamente para tratar desses casos. (Os Mendicantes também possuem essa faculdade de absolver; veja-se o Liv. VII, n. 99). (...)

395 - Pergunta-se, 6º. Se há dúvida se o feto está ou não animado, os que cuidam em fazer o aborto incorrem em irregularidade? A primeira opinião o afirma, e é sustentada pelos Salmanticenses (tr. 13, cap. 2, n. 59, e tr. 10, de Censur., cap. 7, n. 45), Viva (In prop. 34 Innoc. XI, num. 19. - Molina, tr. 3, disp. 27, n. 4), com Sánchez (Sánchez, Decal., lib. I, cap. 10, n. 43), Molina, etc., apud Elbel (De Matrim., n. 479). Argumentos: em todo homicídio dúbio, a pessoa incorre em irregularidade, como consta no cap. Ad audientiam 12, Significasti 18, Petitio tua 24, de homicid.; e na dúvida, presume-se que o feto seja masculino. Portanto, dizem que os que fazem aborto depois de 40 dias devem ser considerados como irregulares. Figliucci [Figliucci é citado por Tamburini a favor da opinião que ensina que, na dúvida, deve-se presumir que o feto é macho (portanto, que é animado depois de 40 dias) e que esta é a opinião seguida na Penitenciária. No tr. 29, n 100, Figliucci, afirma apenas o seguinte: 'Na dúvida... se o feto está animado, abortá-lo é pecado de homicídio perfeito; consequentemente, devemos julgar que o fautor se tornou irregular".] e outros, apud Tamburini (Decal., lib. I, cap. 3, §7, v. Irregularitas 2), dizem que é assim que se julga no foro externo, e que esta é a opinião seguida pela S. Penitenciária. A segunda opinião, mais verdadeira, o nega. É sustentada por Tamburini (De Censur. lib. 10, tr. 4, cap. 5, n. 18. - Praepos., de Censur., qu. 5, de Irregul., dub. 8, n. 58, . Gibal., de Irreg., cap. 4, qu. I, n. 26) com o Prepósito e Gibalino, além de Moya (Tr. 5, qu. 6, §2 . Pelliz., tr. 7, cap. 5, num. 25 et 267. - Verde, Instit. canon., lib. 4, tit. 17, num. 5531), com Pellizzari, Machado (Machado, Perfeito confessor, tom. I, lib. 2, part. 3, tr. 17, docum. 10, n. 3, parece aderir a essa opinião negativa. Embora diga que a opinião afirmativa é mais comum, acrescenta contudo que a opinião oposta é sustentada por doutores de não pouca autoridade. Desenvolve o argumento que demonstra que não se aplicam aqui as leis que impõem a pena de irregularidade no caso de homicídio dúbio; e o argumento que demonstra que a pessoa não incorre em nenhuma irregularidade que não tenha sido explicitada em lei), Leandro (Leandro de Múrcia, mesmo que não trate expressa e especificamente deste caso, não há dúvida de que sustenta essa opinião.

Que dizer se existe dúvida se a pessoa, mediante conselho ou obras, cooperou com assassinato dum feto certamente já animado? - Veja-se o que se dirá no Liv. VII, n. 371. Não pode existir nenhuma presunção (como afirmam erroneamente os Salmanticenses) de que o feto seja do sexo masculino. (...) Tamburini (Decal., lib. I, cap. 3, §7, v. Irregularitas 2) acrescenta, não sem probabilidade, que o que prevalece neste caso é o estado primeiro, e o feto é primeiro inanimado para depois tornar-se animado. Portanto, é muito provável, segundo o que se disse na Pergunta 3, que não deve considerar-se irregular, ao menos no foro interno, quem fez um aborto dentro dos 80 primeiros dias a partir da concepção. O que se diz aqui com respeito à irregularidade vale também para a excomunhão (como diremos no Liv. VII, n. 67) e para as demais penas, como bem observa Elbel (De Matrim., n. 479).

396. Pergunte-se, 7º. Quem pode relaxar as referidas penas pelo aborto?
1º. Quanto à excomunhão pelo aborto dum feto animado, já dissemos a partir da bula de Gregório XIV que só os bispos, e outros designados especialmente para examinar estes casos, podem absolver dela."

O entendimento foi alterado pelo progressivo acatamento do Magistério sobre a tese de "hominização imediata", famosa entre os teólogos gregos, em detrimento dos latinos, e incorporado no Ocidente por teólogos como São Gregório de Nissa e Santo Alberto Magno, que defendiam "hominização imediata".

Em 1869, a Igreja Católica dá sua guinada oficial no entendimento agora majoritário dos teólogos concepcionistas com a Encíclica Apostolicae Sedis do Papa São Pio IX. Um agente influenciador na decisão do papa foi - segundo Rebecca Grompers em Life as It Is - a pressão de Napoleão III sobre Roma. Em meio aos conflitos pela unificação da Itália, Pio IX precisava das tropas de Napoleão III e, por sua vez, o imperador tinha problemas com a baixa natalidade prejudicando a reposição de seu exército e seus planos de industrialização. Em troca da condenação das ideias jacobinas e da declaração da vida associada diretamente à concepção, a França ajudou o Sumo Pontífice a retomar sua posição no Vaticano. Mas, se de um lado a Igreja Católica aparelhava seu entendimento com uma interpretação muito estanque da Embriologia, os frutos a longo prazo das premissas postas na Política pela Revolução Francesa, além do triunfo da implantação de uma estruturação de Estado liberal no Ocidente, mostrariam que a Igreja seria colocada em colisão direta com a nova configuração das sociedades no tema, uma vez que as decisões políticas do Estado passaram a beber de influências dos pareceres científicos em diferentes áreas, inclusive nesta.
Um marco sobre o debate da Licitude do Aborto e Início da Vida Humana ocorreu com nossas descobertas sobre a morte e, portanto, com nossas descobertas sobre onde termina a vida.

Em 1846, a Academia de Ciências de Paris aceitou que a morte significa a ausência de respiração, de circulação e de batimentos cardíacos. Mas mais de um século depois, outro francês - Paul Brouardel - concluiu que o coração não sustenta a vida sozinho. Uma pessoa decapitada pode ter batimentos cardíacos por uma hora, o que não quer dizer que ela esteja viva. Essa percepção foi caindo em descrédito a medida em que a viabilidade de transplantar o coração de um organismo para o outro se tornou viável, afinal parece muito desarrazoado que o elemento central da existência biológica que institui o organismo encefálico como vivo seja o coração, ao mesmo tempo em que podemos substituir o coração de um organismo, assim como costuramos sua pele, transplantamos seu rim ou editamos outras partes de seu corpo sem que isso tenha interferências no âmbito da sua existência individual que não é necessariamente alterada. Afinal, alguém que recebe um coração transplantado continua a ser o mesmo, não se torna outro indivíduo.

Em 1959, no contexto do surgimento dos respiradores artificiais, um grupo de neurofisiologistas e neurocirurgiões de Lyon descreveram uma condição que eles chamaram de “morte do sistema nervoso”, caracterizada por coma apneico, ausência de reflexos, tronco encefálico e cérebro eletricamente silenciosos. Mais tarde, Mollaret e Goulon estudaram 23 pacientes nessa mesma condição clínica e definiram como “a última fronteira da vida”. No ano de 1968, o relatório do Comitê ad hoc da Escola Médica de Harvard estabeleceu os primeiros critérios para diagnóstico de morte encefálica (ME), sendo esta o marco do fim da vida humana. Em 1981, a Comissão Presidencial para o Estudo dos Problemas Éticos em Medicina publicou, nos Estados Unidos da América, um ato uniforme para a Declaração de Morte: “um indivíduo que apresenta cessação irreversível das funções respiratórias e circulatórias ou cessação irreversível de todas as funções do cérebro, incluindo o tronco cerebral, está morto”. No Brasil, a ME foi incorporada pela Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1480 de 21 de Agosto de 1997 e no Art. 3º da Lei 9.434/1997, Decreto 9.175/2017 e CFM nº 2.173/2017. O entendimento acerca do funcionamento do corpo humano abarcou a concepção do cérebro como um tipo de placa-mãe. Quando ele para de funcionar, a máquina não funciona mais, mesmo que todas as outras peças ainda estejam em bom estado. Portanto, "como o fim da vida (vulgo morte) ocorre a partir da 'ausência de ondas cerebrais imprescindíveis', por simetria, o início da vida começaria com o aparecimento dos primeiros sinais integralizados de atividade cerebral e do córtex cerebral - promovendo no embrião os vestígios do aparato primitivo de que necessita para executar funções como pensar e sentir".

O ser humano não é uma célula. Ou duas. O ser humano é um conjunto de zilhões de células (vidas) atuando coordenadas através de um Sistema Nervoso Central. Quando o cérebro cessa suas atividades por completo, o corpo ainda continua "vivo" por muito tempo após esse evento. Em muitos casos, o coração demora horas para parar de bater. Em casos bastante comuns, as células do corpo demoram dias para morrer completamente. E, se provocadas a isso (no sentido de receber auxílio externo que a Medicina já dispõe, ele - o corpo - pode passar anos em ativa). Não é porque o corpo inerte está cheio de "células vivas" que o cadáver será considerado um ser vivo. O cadáver está morto! Ainda que contenha centenas de zilhões de pequenas unidades que (ainda) estão vivas! Na maioria dos vertebrados, mesmo elementos do Sistema Nervoso Central podem continuar operantes sem a presença de um cérebro ou de um encéfalo, pois a própria coluna vertebral - especificamente a medula espinhal e suas extensões imediatas - contém vários dos circuitos neurais essenciais à vida vegetativa e mesmo circuitos neurais capazes de gerar respostas reflexas, assim como padrões motores simples, a exemplo nadar ou andar. Um caso famoso é o do frango Mike, que permaneceu vivo por dezoito meses após sua decapitação.
De qualquer forma, Se a pessoa começa quando a primeira célula surge, isso quer dizer que a pessoa só morre quando nossa última célula morre? Isso quer dizer que enterramos gente viva? (pensemos)

Já na primeira metade do século XX, os grandes Institutos de Medicina, Neurociência e Embriologia passaram a formar núcleos que atualmente são majoritários que gradualmente estabeleceram o parecer de que o elemento definidor da morte é o fim das atividades cerebrais e, por simetria, o início das atividades cerebrais marca o princípio da vida humana, conquistando a mulher o direito ao aborto no período anterior à formação do córtex pelo feto.

Em 1935, o aborto foi legalizado na Islândia até 13 semanas de gestação, seguindo recomendação das associações de Embriologia que entendiam que o cérebro não iria exercer suas primeiras atividades de maneira integralizada até as 14 semanas, dando portanto, uma margem de segurança de 1 semana (no presente, o aborto lá é legal até 12 semanas, ampliando a margem para 14 dias). Essa é o período de bioconstrução morfológica em que notamos que o feto encontra-se desprovido de UAO, desprovido dos dispositivos biológicos que servem como morada da mente, vegetando, portanto. Na Dinamarca foi legalizado em 1937, e na Suécia, em 1938. Atualmente, a criminalização do aborto praticamente restringe-se a parte pobre da África, ao mundo islâmico e à América Latina: na Europa, por exemplo, apenas Polônia e as ilhas de Malta criminalizam a prática (ver mapa - desatualizado, desde 2017, alguns outros países marcados em vermelho ou laranja legalizaram o aborto e nenhum criminalizou). Sendo que a maioria desses países, assim como também os Grandes Institutos Científicos (como a Autoridade Britânica de Fertilização e Embriologia Humana, por exemplo), também promovem e financiam ONG's e campanhas de descriminalização do aborto nos países pobres de terceiro mundo. No Brasil, por exemplo, a criminalização do aborto é contestada pelo Conselho Federal de Medicina, pela Sociedade Brasileira de Bioética, pelo Conselho Federal de Psicologia, OAB, Associação Brasileira de Neurociência, pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, pela Anis, etc...

Além disso,
(I) o âmbito da criminalização que ainda não cedeu ao entendimento científico - mesmo nacional, muitas vezes - em geral não é absoluto nesses países e admite variadas exceções, como anencefalia, violação ou perigo à vida da gestante. O que soa estranho, porque se nesses países  os fetos fossem de fato considerados seres humanos, num Sistema Jurídico em que o homicídio é criminalizado e até a pena de morte é banida, qual categoria inferior ocuparia um "ser humano" que é discriminado no Direito Penal de forma tão explícita, sendo inclusive permitido, entre aspas, "matá-lo"? O que fica claro é que a criminalização do aborto nesses ordenamentos não se propõe a intuir que fetos são seres humanos, mas sim tutelar um sentimento de pudor e respeito que essas sociedades desejam preservar quando pensam no processo de gestação e, sobretudo, no sagrado associado à maternidade.
(II) A criminalização não conduz à noção de que o feto necessariamente é detentor de direitos de personalidade e encontra-se no mesmo status de um ser humano comum. É intuitivo o reconhecimento subconsciente dessa realidade a partir da nossa conformidade na vida cotidiano-concreta. Prova disso é que a pena por provocar aborto é muitíssimo inferior à pena que imputamos ao homicídio doloso. Se fosse reconhecido que a vida humana começa na concepção, quando acontecesse um aborto natural (e frequentemente acontece) e o pós-zigoto fosse expelido pela 'menstruação', observaríamos tal evento como um desastre natural custando vidas humanas. Investiríamos tempo e dinheiro em evitar que isso acontecesse, como fazemos tentando prever os próximos terremotos. Lamentaríamos a grande proporção de abortos espontâneos, lavraríamos certidões de óbito para os cadáveres, etc. Mas, não fazemos isso. E não fazemos isso porque compreendemos que essas células fecundadas não são pessoas. Essas mortes celulares são similares a menstruações e masturbações masculinas: perde-se os elementos formatadores com potencial (falaremos mais sobre a potencialidade abaixo) de produzir seres humanos, mas não se perde seres humanos.
Tampouco consideramos um assassinato quando uma família decide desligar os aparelhos de um ente querido com morte cerebral. Ou seja, não pensamos que o direito à vida de um ser humano está sendo violado. Isso porque com a morte cerebral, perde-se a UAO e toda a individualidade ativa associada a ela. Assim, não consiste em crime de tráfico a retirada dos órgãos, por exemplo. Seu corpo ainda é formado por trilhões de células que estão vivas, seus demais órgãos ainda podem ter vida, grande parte da estrutura do seu cérebro ainda pode estar viva, de tal modo que é o presunto (que, como dizemos em linguagem sugestiva, "está vegetando") biologicamente mais complexo e desenvolvido do que o próprio feto não-formado. E se o presunto não está vivo (e isso ninguém contesta), na mesma direção, o feto sem cérebro é composto por trilhões de células que estão vivas, mas seu cérebro não existe. Portanto, não está vivo também.


Assim, temos a definição de ser humano como diretamente associada à existência da UAO e a existência da UAO diretamente associada à existência de um cérebro ativo. Fetos sem cérebros, embora vivos e pertencentes a nossa espécie sapiens sapiens, não têm cérebros, portanto, não têm UAO, portanto, não têm vida humana. De tal modo que não falamos sobre alguém que está hospedado e dependente do corpo de outro alguém, mas de algo, uma coisa, um objeto de direito, não sujeito.

Argumentos concepcionistas (e o porquê não convenceram o Primeiro Mundo):

(1) O argumento de que o embrião na concepção já é um ser independente da mãe, possuindo DNA próprio e único, portanto, já é um ser apartado e individual, devendo assim ser considerado:
R:
Primeiro creio que cabe apresentar contestação a essa afirmativa categórica, que destoa da compreensão da Embriologia recente. E a esse respeito, reitero novamente o que já foi falado acima: "Pode-se com clareza distinguir a substância de um espermatozoide da substância de um embrião e, ainda, da substância de um ser-humano-vivo. Um embrião não equivale a um ser-humano-vivo. A união de um espermatozoide com um óvulo é condição necessária para formar o zigoto, mas não suficiente para gerar um ser humano. A informação genética proveniente dos progenitores não é suficiente, é necessária um conjunto de outras informações provida pela gestante da placenta. (...) O zigoto pós-nidação não é um ente biológico formatado e terminado, isto é, no processo de intercâmbio placentário, a gestante não apenas provém ao feto o ambiente propício para seu desenvolvimento, oxigênio e nutrientes, eliminando substâncias residuais e o dióxido de carbono gerado pelo embrião evitando que o feto se intoxique, mas também oferta ao feto anticorpos e, muito especialmente, genes. Disso desenvolve-se o processo complexo que formata/constrói lentamente o código genético do feto e sua possibilidade de independência fora do útero. Sem isso, seria a gestação inviável. Por sua vez, também o feto insere no organismo da gestante genes variados que instam o organismo desta a produzir na placenta uma série de substâncias que adéquam o ambiente uterino às necessidades do próprio feto. De modo que tanto a gestante, quanto o feto sofrem mudanças epigenéticas ao longo da gestação e que sem os mecanismos dessa íntima relação entre ambos, o nascituro não progrediria na placenta. Os humanos são mamíferos placentários. Somos mamíferos por termos pelos e produzir leite e placentários porque o desenvolvimento somente pode ocorrer dentro do útero. Cabe destacar que nenhum laboratório até o presente conseguiu gerar um embrião de mamífero fora do útero materno durante todo o período gestacional e que produzir esse placentário ambiente de permuta informacional mostra-se tão simples quanto produzir um cérebro artificial. Temos assim que não procede os rumores de que na concepção o embrião já é um ser terminado e independente da mãe sendo, portanto, um ser já apartado e individual. (...) A concepção é, na verdade, um processo que envolve além da reunião dos gametas masculino e feminino, a adição de um outro fator, a complexa rede de materiais genéticos que a gestante oferta ao feto no processo de gestação (ou diríamos mesmo de concepção continuada). Mal comparando, considerar o resultado da nidação como indivíduo humano parece-me ser ontologicamente equivalente a dizer que se colocarmos parte dos ingredientes de uma Batida de Conhaque no liquidificador estaríamos nós autorizados a insinuar que a mistura resultante é uma Batida de Conhaque, quando esta receita necessita não apenas da agremiação dos ingredientes ali postos, mas também de um liquidificador operando e da adição do Conhaque após três minutos sendo batida em velocidade média para efetuar essa transição de estado. (...) É o embrião, portanto, tão potencial ser-humano quanto um espermatozoide, diferindo-se ambos apenas e tão somente no âmbito das etapas vencidas." (KORNBLIHTT, Alberto, Embriogénesis: inscripciones genéticas, p. 378-379; KORNBLIHTT, Alberto, et. al. - Intragenic epigenetic changes modulate NCAM alternative splicing in neuronal differentiation, p. 34-35)

Segundo que o que determina a existência ou não de um ser humano não será um "DNA próprio e único". Se fosse, uma quimera seria considerada dois seres humanos e não apenas um.
E o que é uma Quimera?
"Quimerismo - Um Estranho Dentro de Você:
GÊMEOS NÃO-IDÊNTICOS PODEM FUNDIR-SE ORIGINANDO UMA PESSOA SÓ.

Uma médica, Dra. Margot Kruskall, do Israel Deaconess Medical Center, em Boston, Massachusetts, foi confrontada com um caso: Jane, uma mulher de 52 anos de idade estava muito chateada. Testes revelaram algo inacreditável sobre dois de seus três filhos. Embora ela os tenha concebido naturalmente com o marido, exames revelaram que ele era o pai, mas ela não era mãe biológica das crianças. Era como se ela tivesse dado à luz filhos de outra pessoa.

Levou dois anos até a Dra. Kruskall e sua equipe desvendarem o quebra-cabeças. Eles descobriram que Jane era uma quimera, uma mistura de duas pessoas - duas gêmeas não idênticas - que haviam se fundido no útero de sua mãe, originando uma pessoa só. Algumas partes do corpo de Jane eram provenientes de uma gêmea, e outras partes da outra. Em termos médicos, Jane era uma quimera tetragamética, cujo corpo era formado por duas linhagens distintas de células, derivadas de quatro gametas, dois óvulos e dois espermatozoides.

Por alguma razão, células de apenas uma das gêmeas formavam o sangue de Jane, usado nos primeiros testes. Em outros tecidos, inclusive nos ovários, conviviam células das duas linhagens. Um dos filhos originou-se de um óvulo de uma linhagem celular e dois originaram-se de óvulos da outra linhagem [...] Por mais estranho que pareça o caso de Jane não é o único. Claire Ainsworth comenta que "Pensava-se que as quimeras humanas fossem tão raras que seriam apenas mais uma curiosidade. Mas, pode haver um pequeno pedaço de outra pessoa em nós e, algumas vezes, mais de uma..." - Biologia das Células - Amabis e Martho, 428.
Observe a foto.... na direita, temos um gato e uma mulher que são quimeras totais... ou seja, as células se fundiram e formaram externamente um único indivíduo... então apesar de partes do corpo serem de um zigoto e outras de outro zigoto, e termos dois indivíduos fundidos do ponto de vista biológico, do ponto de vista social e do Direito temos apenas 1 ser humano... porque só há um cérebro.
O mesmo caso ocorre com a foto do meio... o menino é uma quimera e tem um braço a mais fruto do outro zigoto fundido parcialmente... mas só tem um cérebro, portanto, é apenas um indivíduo humano.
Já quanto ao último caso, as fotos da esquerda, temos dois gêmeos xipófagos dividindo o mesmo corpo.... aqui sim temos dois seres humanos distintos porque há dois cérebros, logo, duas UAOS distintas... Não fica claro e explícito?


Já antes dessa simbiose celular, o próprio Zigoto pode se dividir em mais zigotos, ou, no início da fase de embrião, gera até 16 células capazes cada potencialmente capazes de gerar pessoas inteiras. Se fôssemos proteger o zigoto como tendo direito à vida por sua individualidade e potencialidade, então toda gestação em que deixamos um só zigoto se desenvolver seria simultaneamente o assassinato de 15 outras pessoas em potencial ou, no mínimo, crime de omissão.

Deveríamos, assim, prender todas as grávidas (inclusive de gêmeos) por isso, se estamos dispostos a decidir que a interrupção da implantação do zigoto ou desenvolvimento até o blastocisto é um crime. Se é regra absoluta que um zigoto tem direito à vida - com todas as consequências que disso decorrem, então todas as mulheres teriam o dever moral e até legal de buscar medidas para separar suas 16 células totipotentes para que sigam seu potencial natural. Até aqui ficou fácil, mas estamos apenas na crista da ladeira numa bicicleta sem freio: O dever prossegue após a intervenção de implantação e readaptação de cada uma dessas células fecundadas totipotentes, através das novas células geradas por essas células separadas do embrião inicial. Se soa absurdo, é porque É absurdo!

(2.1) o argumento da potencialidade aristotélica: "O embrião deve ser considerado um ser humano formado e completo porque potencialmente tornar-se-á um ser humano formado e completo.
R:
Não... O argumento de Aristóteles não se sustenta porque a linha do tempo importa.
Mesmo ignorando os estudos que mostram que parte considerável dos embriões são descartados naturalmente pelo organismo em abortos espontâneos em alguma fase da gestação e que as gestantes sequer percebem que um dia estiveram grávidas, não se pode considerar um graduando em Medicina como um médico. Um médico é um médico e um estudante de Medicina é um estudante de Medicina. Um estudante de Medicina pode, no futuro, talvez, se formar e virar bacharel... mas não o é (no presente). E, não o sendo, não deve ser considerado como um médico, nem ser chamado de doutor.
Quando o indivíduo futuro virar indivíduo presente, ou seja, quando o indivíduo transitar da inexistência pra existência, aí sim poderemos aplicar tais ditames a ele.
É esse mesmo argumento absurdo seu que a Igreja Católica utiliza pra dizer que usar camisinha deveria ser crime.

A respeito do argumento da potencialidade, Michael Tooley argumenta em Abortion – Three Perspectives que ele se mostra substancialmente improcedente. Se como no filme Replicas, 2018, a Ciência conseguir criar aparelhos produtores de corpos humanos e personalizar cérebros pensantes, você seria obrigado a permanecer inserindo as substâncias devidas e regulando a aparelhagem até que o processo de construção do cérebro esteja concluso em seus elementos principais? Esse foi um exemplo adaptado e, na verdade, bem próximo do exemplo do Conhaque de Alberto Kornblihtt e do triângulo de Brody. Tooley usa um exemplo famoso em sua época. Em caso de a Ciência descobrir um soro que ao ser injetado em gatinhos, estimula e desenvolve sua racionalidade "superfelina”, aos moldes de Sabrina, the Teenage Witch? Estaríamos, em virtude disso, obrigados a produzir gatos falantes em série? Nisso enuncia o chamado Princípio da Simetria: se não consideramos errado abster-se de iniciar um processo causal, de igual forma não é errado interferir no processo encaminhado em fase de simples projeto.

Bagunçar a Linha Temporal é um cacoete mental que é simplesmente inaplicável em outras situações.... a menos que o módulo de pensamento de Sarah Connor não esteja equivocado...
(Clássica cena de Sarah Connor em O Exterminador do Futuro 2)

Sabendo que seres humanos potencialmente morrem, seria lícito tratar as pessoas como se elas fossem meros cadáveres simplesmente por causa do argumento de potencialidade? Se sim, como conviver com essa mentalidade psicopática? Se não, como ser coerente internamente e alegar que um feto sem cérebro deve ser tratado como pessoa?

Não está bem claro que não devemos teorizar sobre o inexistente? Que não é lícito tratar uma grandeza em virtude do que ela poderá ou tenderá a ser? Que, na verdade, devemos tratá-los pelo que eles são, no presente?

Oras, como não se trata pessoas como se fossem cadáveres meramente em virtude de suas mortes em potencial, por simetria, não se deve tratar um embrião como uma pessoa meramente em virtude de sua potencialidade nesse sentido. Enquanto não houver um ser humano, não há um ser humano. O ser humano começa quando a UAO se forma e termina quando a UAO desaparece, com a morte cerebral (ainda que o cadáver continue "vivo" com ajuda de aparelhos, etc.).

Só pode entrar na ABRATI (Associação Brasileira da Terceira Idade) quem é ≥ 60 anos. Daí o humano adolescente exige no presente seu direito de ingressar na Associação porque, no futuro, pode se tornar um idoso.

Tratamos o que as coisas são como o que são. Presente é presente e futuro é futuro.

Isso não quer dizer que o domínio do conhecimento envolvendo potencialidade não tenha sua validade. Digamos que determinada espécie considerada em extinção é tutelada pela Lei de Crimes Ambientais. Quando, um dia qualquer, uma fêmea da espécie considerada extinta é avistada na natureza com 3 ovos. Ou ainda que uma rara Nogueira seja hiperprotegida pela mesma Lei, sendo que não é inacessível à imaginação observar essa mesma Lei dilatando-se para contemplar os ovos ou as nozes dessa planta, em virtude da potencialidade de surgimento do objeto jurídico tutelado que dali brota.

Assim, ao zigoto, embrião ou feto não há tratamento absolutamente dispensável, como dispomos de uma escova de dentes qualquer, mas de "atenção/observação". Ou, como chamamos no mundo jurídico, de "ius expectare (expectativa de direito)".

(2.2) O feto é uma fase da vida humana, assim como ser idoso, adolescente, criança, etc.
R:
Existe uma diferença ontológica entre fase e etapa. Podemos falar de Etapa Indireta - ou Fase - quando pensamos em você tomando banho. Podemos rastrear as Fases desse momento desde todo o seu itinerário. Ou seja, você nascendo, sua casa sendo construída, o chuveiro sendo instalado, o azulejo sendo colocado, você indo pegar a toalha para entrar no banheiro, ligando a torneira, etc.
Agora a Etapa Direta - ou simplesmente Etapa - do banho refere-se àquele momento específico no tempo x espaço em que efetivamente a água tocou seu corpo e você começou o ato em si de se banhar até o momento em que você fechou a torneira e a água escorreu do seu corpo. Ou seja, o banho acabou.

Da mesma forma, o surgimento do feto no interior do útero materno, ou ainda a produção do espermatozoide no saco do seu tio, do óvulo na ppk de sua mãe, ou ainda, em no espermatozoide que gerou o seu tio ou que gerou o pai do seu tio, a espécie humana ou os elementos bio-geo-químicos que formataram a primeira célula viva, todos podem ser considerados Fases da vida humana. Agora Etapa da vida humana começa quando o ser humano surge (após o desenvolvimento da UAO ser formatado) e termina quando o ser humano desaparece (no exato momento em que temos morte cerebral). De modo que a efetiva existência enquanto etapa da UAO constitui propriedade ESSENCIAL sem a qual o ser humano não pode existir. É como pensar que pode existir um quadrado de três lados. Não dá. Ou é 4 lados ou não é quadrado. Da mesma forma, ou tem UAO ou não é ser humano/gente.

(3) Aborto é assassinato! Portanto, matar um feto de 1 semana deve receber o mesmo tratamento reservado ao assassinato de uma mulher de 30 anos de idade (...) mesmo que a mulher tenha sido estuprada!"
R:
Não, aborto não é assassinato porque assassinato é a remoção  (tida como injustificada) da vida de um ser-humano-vivo, aquilo que o feto sem cérebro não é, como vimos.

(4) se aceitarmos a licitude do aborto por ausência de cérebro, deveríamos matar quem está em COMA, dormindo ou deficientes mentais.
R:
Este é o segundo argumento mais tolo dos críticos do aborto [só perde pro (6)]. Alguém dormindo, em COMA ou mesmo um deficiente portador da enfermidade mental mais severa TEM um sistema nervoso central integralizado e atuante... Pode estar debilitado, mas existe. Um feto ou um deficiente mental sem um encéfalo em seus rudimentos substanciais é um cadáver. Não existem cavaleiros sem cabeça, rs. Confundir morte encefálica com o sono ou com doenças mentais demonstra que conversamos com iniciantes no assunto. Se um feto com 17 semanas que possui um sistema nervoso central muitíssimo rudimentar já é considerado um ser humano, o que se dirá de um ser humano formado e completo dormindo ou debilitado em algum detalhe cerebral? Por favor...

(5) O argumento de que quem defende o aborto é hipócrita, pois já nasceu
R:
Para de romantizar o inexistente, crlh!
Falar comigo e citar que um dia meu corpo se desenvolveu e passou pela Fase de feto sem cérebro é estupidez. O nome disso é ONOMATOPEIA. Se eu não tivesse existido, eu nunca existi, oras. Eu ia chorar porque nunca existi por acaso?

rs, se eu fosse um feto sem cérebro, eu não acharia nem justo, nem injusto ter sido abortado.. simplesmente eu não existi para achar o que quer que seja.... Eu estaria na mesma condição do meu irmão Sinfrônio que nunca existiu porque meu pai resolveu gozar fora "naquela noite lá".

Sinfrônio não chora no mundo da não-existência / inexistência porque queria ter existido, só que não rolou.O aborto não é o Kamek Koopa sequestrando o Super Mario e o Luigi da Cegonha antes de eles nascerem.... Esse argumento é primário! O pior é que usam isso para se impor e estabelecer uma ingerência intolerável sobre os corpos das minas.

(6) É crime abortar e pronto!
R:
É.... É crime onde? Aqui no Brasil? na Arábia Saudita? Tecnicamente a maioria esmagadora do Primeiro Mundo postula a licitude do aborto.
Em Azul, países que legalizaram o aborto voluntário. Em cinza, os países que legalizaram o Aborto em casos específicos, como estupro, incesto, risco à vida da gestante, a/micro/anencefalias, deficiências, síndrome de down, gestante com mais de três filhos, etc. Em vermelho, os países que criminalizam o aborto.

Lembrando que isso é irrelevante para o debate porque o Estado não é régua moral... Não é porque o Estado criminaliza X ou Y que isso serve como argumento ou evidência de que a conduta é certa ou errada.

Michael Tooley define Pessoa em Abortion – Three Perspectives como um ente concreto ou abstrato dotado de direito de personalidade ou de Personalidade Jurídica. Portanto, um sujeito - físico ou jurídico - que goza do reconhecimento social de que eles têm para com ele uma obrigação de não-fazer ou de fazer, ou seja, de respeitar seu espaço na sociedade, em todos os âmbitos da sua circunscrição.

Nesse sentido, pessoa e seres humanos não são sinônimos. Um negro escravo no Brasil escravagista não era pessoa, um cadáver em geral não é reconhecido como pessoa pelas sociedades e, em várias delas, fetos sem cérebro não são reconhecidos como pessoas. Empresas, associações, clubes, Templos Religiosos e ONG's que são condenadas à extinção perdem seu status de pessoa jurídica. Da mesma forma, pessoas podem ser condenadas à despersonalização (uma pena via de regra extinta no mundo moderno). Determinados ativistas e teóricos consideram que deveríamos atribuir personalidade a (certos) animais de outras espécies. Ao considerar a personalidade, portanto, entramos num campo do dever-ser, da Ética, do Direito, etc.

Mas, já que estamos falando sobre a forma como o Estado trata os fetos, creio que é interessante citar como, no Direito Civil Brasileiro, a personalidade civil é dada ao nascituro que OBTEVE o nascimento com vida (entendendo-se por nascimento o desvinculamento do corpo materno e por vida a CAPACIDADE RESPIRATÓRIA), embora a lei resguarde os direitos do nascituro desde a concepção.

"A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro." - Art. 2º, CC/2002.

Assim, se o nascituro com Personalidade Jurídica nasceu e respirou um segundo e depois morreu e for sido órfão de pai, a mãe recebe os 50% da herança do casamento dela, já que ela é meeira e recebe o quinhão correspondente à parte da criança que morreu e passou para ela. Se a criança for natimorto, e não tiver respirado nem 1 segundo sequer, aí ele não é tido como detentor de Personalidade Jurídica e a herança passa aos ascendentes - avó e avô materno. Se esses não existirem, vai pro cônjuge viúvo e se este não existir vai para os parentes colaterais (irmãos, tios e sobrinhos e, por último, primos). Se esses também não existirem, aí vai para o Estado.
As pessoas matam e morrem por isso... Dá tanta treta!

O STF acatou o Habeas Corpus 124.306 em 2016, a partir do seguinte argumento do Ministro Roberto Barroso:
"De um lado, há os que sustentam que existe vida desde a concepção, desde que o espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à multiplicação das células. De outro lado, estão os que sustentam que antes da formação do sistema nervoso central e da presença do aparato fundamental aos rudimentos de consciência – o que geralmente se dá algumas semanas após o terceiro mês da gestação – não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno. Não há solução jurídica matematizada para esta controvérsia. Ela dependerá sempre de uma escolha religiosa ou filosófica de cada um a respeito da vida.

Em temas moralmente divisivos, o papel adequado do Estado não é tomar partido e impor uma visão, mas permitir que as mulheres façam sua escolha de forma autônoma. O Estado precisa estar do lado de quem deseja gerar o feto. O Estado precisa estar do lado de quem não deseja gerar o feto. Em suma: por ter o dever de estar dos dois lados, o Estado não pode escolher um, O que refoge à razão pública é a possibilidade de um dos lados, em um tema eticamente controvertido, criminalizar a posição do outro.
(...)
As grandes autoridades mundiais em pesquisa e estudo embriológico entram razoavelmente em consenso que a vida termina quando o cérebro cessa suas atividades, por simetria, adotam o pensamento de que a vida começa quando o cérebro inicia essas mesmas atividades. Outro ponto que se deve considerar é o de que o cérebro do feto durante o primeiro trimestre de gestação, não foi formado, equiparando seu estágio de desenvolvimento presente, ou seja, o seu corpo inerte, cujo cérebro ainda não está desenvolvido com a de um feto acéfalo, cujo cérebro inexiste por má formação.

Pensando nisso e observando o regime adotado pela maioria esmagadora no mundo democrático e desenvolvido como Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Holanda, França, Itália, Noruega, Portugal, Alemanha, Suécia, Rússia, Túrquia, China, Reino Unido, Alasca, Hungria, Croácia, África do Sul, Cidade do México, Grécia, Bulgária, Estônia, Albânia, Romênia, Letônia, Ucrânia, Suíça, Uruguai, Lituânia, Macedônia, Índia, Bélgica, Áustria, Rep. Tcheca, Iugoslávia, Rep. Eslováquia, etc., a interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada, já que há a percepção de que a criminalização da interrupção voluntária da gestação atinge gravemente diversos direitos fundamentais das mulheres, com reflexos inevitáveis sobre a dignidade humana. O pressuposto do argumento aqui apresentado é o de que a mulher que se encontre diante desta decisão trágica, não precisa que o Estado torne a sua vida ainda pior, processando-a criminalmente.

É preciso reconhecer, porém, que o peso concreto do direito à vida do nascituro varia de acordo com o estágio de seu desenvolvimento na gestação. O grau de proteção constitucional ao feto é, assim, ampliado na medida em que a gestação avança e que o feto adquire viabilidade extrauterina, adquirindo progressivamente maior peso concreto. Em países como a Alemanha, Portugal, França, Bélgica e Canadá, entre outros, há o entendimento de que outras políticas que não a criminalização podem coadunar melhor os interesses da mulher e do feto, por exemplo, nesses Estados, a grávida que pretenda abortar deve se submeter a uma consulta de aconselhamento e a um período de reflexão prévia de três dias antes da decisão final.

A sexualidade feminina, ao lado dos direitos reprodutivos, atravessou milênios de opressão. O direito das mulheres a uma vida sexual ativa e prazerosa, como se reconhece à condição masculina, ainda é objeto de tabus, discriminações e preconceitos. Parte dessas disfunções é fundamentada historicamente no papel que a natureza reservou às mulheres no processo reprodutivo. Mas justamente porque à mulher cabe o ônus da gravidez, sua vontade e seus direitos devem ser protegidos com maior intensidade.

Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não. Todo indivíduo – homem ou mulher – tem assegurado um espaço legítimo de privacidade (a saber, seu próprio corpo) dentro do qual lhe caberá viver seus valores, interesses e desejos. Neste espaço, o Estado e a sociedade não têm o direito de interferir." - Luís Roberto Barroso

O Habeas Corpus não gerou efeitos vinculantes e, portanto, não anulou a criminalização ao aborto, mas demonstra claramente que o Estado Brasileiro oscila e titubeia quanto ao assunto.

Apenas fazendo uma observação para quem desejar saber mais, o Reproductiver Rights é um site com mapa interativo bastante didático e acessível que acompanha a situação jurídica do Aborto no mundo. É bem completo e atualizado em tempo real sempre que algo muda, com fontes das legislações de cada país.

(7) "Abortar é pecado! Jesus briga!":
R:
👉👊👀


(8) "Abortar é arriscado e leva a gestante à morte":
R:
Na verdade, o aborto inseguro constitui a quarta causa de morte materna no mundo. A ONU define aborto inseguro como "a interrupção da gravidez praticada por um indivíduo sem prática, habilidade e conhecimentos necessários ou em ambiente sem condições de higiene."

Os países que legalizaram o aborto orgulham-se de reduzir e até de zerar o número de morte de mulheres (e, estas sim são seres humanos formados e completos) por este motivo. Também associam a legalização do aborto com um movimento de educação e planejamento familiar eficaz que reduz o número de abortamentos, como os dados divulgados por Portugal que mostraram que em 2017 o número de abortos caiu 10% nos últimos 5 anos.
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/geral/46362/com+legalizacao+numero+de+abortos+cai+10+em+portugal+pais+completa+5+anos+sem+mortes+de+mulheres+em+decorrencia+da+pratica.shtml

"Dados divulgados nesta semana pela Direção Geral de Saúde (DGS) de Portugal, por conta do aniversário de dez anos do referendo que votou a favor da legalização do aborto no país, mostram que, desde que a prática foi descriminalizada, o número de mulheres que morreram em decorrência do procedimento caiu – e está em zero desde 2012 – e o total de interrupções da gravidez em 2015 é 10% menor do que o de 2008, primeiro ano de vigência da lei.

Além disso, o número de mulheres que usam métodos contraceptivos tem aumentado nos últimos anos.

Entre 2001 e 2007, números levantados pelo jornal Expresso indicam que houve 14 mortes de mulheres em decorrência de procedimentos irregulares e que colocavam em risco a vida das gestantes. Entre 2008 e 2012, nos quatro primeiros anos de vigência da IVG (Interrupção Voluntária da Gravidez), uma mulher morreu em um procedimento legal e, outra, em um ilegal. Desde então, não foi registrada nenhuma outra morte.

O total de IVGs também vem caindo, apesar de um pico em 2011, ano em que Portugal foi mais atingido pela crise econômica. No primeiro ano de vigência da regulação, 18.607 mulheres interromperam a gravidez; em 2011, 19.921; em 2014, 16.180; em 2015, 15.873. Ou seja: entre 2008 e 2015, houve uma queda de 10% nos procedimentos em todo o país.

Estimativas apontam que, antes da legalização, ocorriam, em média, 20 mil interrupções por ano.
A legalização da IVG também fez aumentar o uso de métodos contraceptivos. Após realizarem o procedimento, 95,7% das mulheres em 2015 passaram a usá-los, contra 95,4% em 2014 e 94% em 2013.

Segundo a DGS, a maior parte (mais de sete em cada dez) interrupções de gravidez foram realizadas no serviço público de saúde. De acordo com o órgão, se verificou "redução significativa tanto do número total de complicações como do número de complicações graves a partir de 2008".

O referendo foi realizado em 11 de fevereiro de 2007, e o sim venceu com 59,25% dos votos. No entanto, como não houve participação suficiente para tornar lei o resultado, o governo do país apresentou ao Congresso um projeto em termos semelhantes, que foi aprovado e entrou em vigor no mesmo ano.  É possível fazer uma IVG até a 10ª semana de gestação em Portugal - em outros países da Europa, o prazo vai até a 14ª semana."

Isso sem falar nos benefícios com a redução da pobreza, da criminalidade e do trabalho claramente bem-sucedido de prevenção à existência de indivíduos que futuramente darão trabalho à sociedade.

(9) Você defende o genocídio de bebezinhos! Você não tem coração:
R:
"bebês", "criancinhas", "inocentes", frequentemente vemos a Falácia do Sentimento de Apelo à Emoção sendo utilizada através do emprego deliberado e recorrente de palavras e expressões - muitas vezes apresentadas no diminutivo, para carregar ainda mais emoção -. Não, um feto sem cérebro não é um bebê ou uma criança. Uma criança é uma criança, um feto é um feto, um embrião é um embrião, um velho é um velho, um adulto é um adulto. Usar esse tipo de expediente retórico apenas nos conduz a uma redução da capacidade de interação e entendimento.

Xingar ou embrenhar-se numa luta políticossocial para desumanizar quem defende esse ponto acrescenta muito pouco, até porque a cara de quem faz aborto no Brasil não é nem um pouco vilanesca. Em sua maioria, são mulheres cristãs que devem carregar consigo um grande peso de culpa. E isso contribui para que tenham uma vida pior, menos autêntica e menos feliz. Se abortar é um assunto sério, também não é um assassinato. Portanto, as mulheres que foram convencidas a carregar esse jugo de culpa podem respirar aliviadas, ao contrário do que a cristandade quer incutir em suas mentes, elas não são assassinas.

Muitas vezes, fizeram o que fizeram justamente porque tiveram compaixão e empatia o suficiente para considerar que, naquele momento, não era hora de trazer ao mundo um ser humano dependente por acidente, que seria exposta à situação de risco ou de sofrimento ou que ficaria refém de seu despreparo.

(10) Aborto é coisa de Esquerdistas e de socialistas:
R:
Na verdade, as reivindicações pró-aborto nasceram dos liberais e não dos socialistas. Não é por acaso que os países nos quais o discurso liberal triunfou (rever mapa) foram justamente aqueles que legalizaram o aborto. Enquanto os países liberais legalizavam o aborto no século XX, os países socialistas atacavam o Instituto como sendo uma tentativa da burguesia de matar os filhos do proletariado.
Em Azul, países que legalizaram o aborto voluntário. Em cinza, os países que legalizaram o Aborto em casos específicos, como estupro, incesto, risco à vida da gestante, a/micro/anencefalias, deficiências, síndrome de down, gestante com mais de três filhos, etc. Em vermelho, os países que criminalizam o aborto.

O pai do neoliberalismo (Libertarianismo), o senhor Rothbard, escreve em Ethics of Liberty o seguinte:
"Primeiro, vamos começar com a criança no período pré-natal. Qual é o direito de propriedade sobre o feto que os pais, ou mais especificamente a gestante, possuem? Em primeiro lugar, devemos observar que a posição conservadora católica geralmente tem sido rejeitada muito rapidamente. Esta posição afirma que o feto é uma pessoa viva e, portanto, que o aborto é um ato de assassinato e, por isso, deve ser declarado ilegal como qualquer outro caso de assassinato. Contudo (...) A fundamentação apropriada para analisar o aborto está no absoluto direito de autopropriedade de cada homem. Isto imediatamente implica que toda mulher tem o absoluto direito ao seu próprio corpo, que ela tem o domínio absoluto sobre seu corpo e sobre tudo que estiver dentro dele. Isto inclui o feto. (...) se a mãe decidir que ela não deseja mais o feto ali, então o feto se torna um invasor parasitário de sua pessoa, e a mãe tem o pleno direito de expulsar o invasor de seu domínio. O aborto não deveria ser considerado “assassinato” de uma pessoa, mas sim a expulsão de um invasor não desejado do corpo da mãe. Quaisquer leis restringindo ou proibindo o aborto são portanto invasões dos direitos das mães.
(...)
Outro argumento dos anti-aborcionistas é que o feto é um ser humano vivo e, por isso, é dotado de todos os direitos dos seres humanos. Muito bem; vamos admitir, apenas para dar seguimento à argumentação, que os fetos são seres humanos – ou, de um modo mais geral, potenciais seres humanos – e são, por conseguinte, dotados da totalidade dos direitos humanos. Mas, podemos perguntar, que humanos possuem o direito de ser parasitas coercivos dentro do corpo de um hospedeiro humano relutante? Obviamente, nenhum humano que já nasceu tem tal direito e, portanto, a fortiori, o feto também não pode ter tal direito.

(...) Até a professora Judith Thomson, que, em sua discussão da questão do aborto, tenta inconscientemente manter o conceito de “direito à vida” ao lado do direito de se possuir o próprio corpo, demonstra lucidamente as armadilhas e os erros da doutrina do “direito à vida”:

"Para algumas pessoas, ter o direito à vida inclui ter o direito a receber ao menos as necessidades mínimas suficientes para se continuar vivo. Mas suponha que o que na verdade é o mínimo suficiente que um homem necessita para continuar vivo seja algo que ele não tem nenhum direito de receber? Se eu tenho uma doença terminal e
a única coisa que irá salvar minha vida é o toque da mão gélida de Henry Fonda em minha testa febril, então, ainda assim, eu não tenho o direito de receber o toque da mão gélida de Henry Fonda em minha testa febril. Seria extremamente gentil da parte dele voar da costa oeste para me prover isto.... Mas eu não tenho absolutamente nenhum direito ante qualquer um de tal maneira que ele devesse fazer isso por mim".

Em resumo, é inadmissível interpretar o termo “direito à vida” para conceder a alguém um direito de compelir a ação de outra pessoa para prolongar aquela vida. Em nossa terminologia, tal direito seria uma violação inadmissível do direito de autopropriedade de outra pessoa. Ou, como diz a professora Thomson convincentemente: “ter o direito à vida não é garantia de um direito cujo uso lhe seja dado, nem de ter um direito de poder continuar a usar o corpo de outra pessoa – mesmo se a própria vida de alguém depender disso" (citando: Judith Jarvis Thomson - A Defense of Abortion)”. - A Ética da Liberdade: Cap. 14 - As crianças e seus direitos - Murray N. Rothbard
  
Aproveitando a deixa, acho bom lembrar que foi a filósofa Thompson quem elaborou o chamado Argumento do Violinista. "De manhã acorda e descobre que está numa cama adjacente à de um violinista inconsciente - um violinista famoso. Descobriu-se que ele sofre de uma doença renal fatal. A Sociedade dos Melómanos [dos apreciadores de música] investigou todos os registos médicos disponíveis e descobriu que só o leitor possui o tipo de sangue apropriado para ajudar. Por esta razão os melómanos raptaram-no e, na noite passada, o sistema circulatório do violinista foi ligado ao seu, de modo a que os seus rins possam ser usados para purificar o sangue de ambos. O director do hospital diz-lhe agora: “Olhe lamento que a Sociedade dos Melómanos lhe tenha feito isto - nunca o teríamos permitido se estivéssemos a par do caso. Mas eles puseram-no nesta situação e o violinista está ligado a si. Caso se desligasse matá-lo-ia. Mas não se importe, porque isto dura apenas nove meses. Depois ele ficará curado e será seguro desligá-lo de si.

De um ponto de vista moral, o leitor teria a obrigação de aceitar esta situação? Não há dúvida de que aceitá-la seria muito simpático da sua parte, constituiria um gesto muito generoso. Mas teria de aceitá-la?". Cita ainda o exemplo hipotético ao leitor, no qual o filho de uma testemunha de Jeová que sofreu um acidente e necessita urgentemente de uma transfusão de sangue do tipo O negativo (raríssimo). Ninguém é compatível, exceto a mãe do rapaz que está lá presente no hospital. Mas, ela se recusa a doar o sangue dela porque isso vai contra a religião que ela segue.... Seria justo se a lei OBRIGASSE a mãe a doar o sangue que É DELA pra salvar o filho? Rothbard não achava. Que o feto e a mulher são dois corpos distintos, isso não se discute.... mas o feto depende da mulher pra existir e se a mulher não quiser emprestar seu corpo dessa forma, não podemos obrigá-la porque o corpo é dela. E é isso que alguns evangélicos, por exemplo, não conseguem entender. Porque você pode considerar uma maldade, um pecado ou uma atitude anti-ética que alguém negue o sangue ao seu filho, mas ainda assim não seria lícito você obrigá-lo, entende? Mas, claro que esta é uma situação que simplesmente não é análoga à questão do aborto porque o filho da Testemunha de Jeová é um ser humano, diferente do feto sem cérebro...

Voltando ao contra-argumento (4) só pra concluir, aqueles que defendem que a mulher deve ser forçada a gerar o feto contra sua vontade mesmo que tenha sido estuprada (sendo que temos estudos que mostram que obrigar a mulher a carregar um feto equivale ao crime de tortura) pertencem a um grupo cruel específico dentro do genérico grupo anti-abortista que milita contra o direito dos seres humanos sobre o próprio corpo.
Evidente que não é fácil discutir com pessoas com tamanho nível de crueldade (ver vídeo abaixo)... Essas pessoas não defendem a vida humana, são apenas sadistas.

Um comentário:

  1. Já tinha me posicionado a favor do aborto, mas, ao ler essa matéria, me estruturei ainda mais nessa posição

    Muito bom!

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