A licitude ao aborto em determinadas circunstâncias é frequentemente contestada pelos críticos que alegam que, no aborto, a autonomia sobre o próprio corpo da mulher é posta em segundo plano em virtude da necessidade de avaliarmos os direitos e necessidades de um terceiro ser humano afetado, a saber, o feto, que seria prejudicado no seu direito à vida humana por qualquer intervenção intrusiva de caráter definitivo (ou seja, a interrupção voluntária da gravidez). Essa ação, logo, seria equivalente ao assassinato, de sorte que não se furtam de ofender, injuriar e defender algum tipo de cerceamento dessa prática ou mesmo de criminalização, sendo que os mais ousados chegam a defender tortura e/ou pena de morte para as gestantes que optam pelo aborto, assim como daqueles que as apoiam.
Inicialmente, cabe apontar a fragilidade de certos argumentos utilitários envolvendo Aborto. A exemplo, cite-se o prejuízo certo que o nascituro provocará à vida financeira, pessoal e acadêmica da gestante. A despeito da necessidade desses fatores serem considerados - e eles serão, abaixo - as deficiências desses argumentos não podem deixar de ser mencionadas e não é atoa que decidi fazer isso logo no início. Nesse sentido, recomendo a leitura da obra The Ones Who Walk Away from Omelas
(Aqueles que se Afastam de Omelas) de Ursula Le Guin. O livro é uma obra de ficção que nos apresenta a Omelas, uma cidade repleta de farturas, pessoas inteligentes e cultas e com grande desenvolvimento científico. Todo esse clima edílico em Omelas tem um preço, que é o segredo da cidade, essa bonança social exige que uma única criança desconhecida, capturada de lugares ermos longe dos muros da cidade, seja mantida infeliz, sendo torturada, presa na sujeira, escuridão e miséria, e que todos os seus cidadãos descubram isso quando tiverem idade para discernir, normalmente entre os oito e os doze anos. Ao morrer, a criança é substituída por outra. Após descobrirem a verdade sobre a criança, a maioria das pessoas em Omelas fica inicialmente chocada e enojada, mas acaba por concluir que se a criança fosse libertada e levada à luz do Sol, toda a prosperidade, beleza e deleite da cidade seria destruída. Entretanto, alguns cidadãos, homens ou mulheres, jovens ou velhos, resolvem silenciosamente sair da cidade, se afastando para longe de Omelas, e ninguém sabe para onde vão. Afinal, é justo manter uma criança sofrendo horrores para proporcionar satisfação e felicidade para muitos? No inverso, é justo libertar a criança de seu sofrimento, se isso significa que vamos expor muitos outros que são poupados ao sofrimento também - incluso outras crianças?
Esses são aqueles que escolhem renunciar a todo regime de felicidade social que a cidade proporciona porque consideram que os -prós não compensam os -contras. Luís Filipe comenta a obra falando sobre limites da solidariedade humana: “a capacidade humana para a empatia pelo sofrimento dos outros só chega a determinado ponto; a partir daí os velhos mecanismos de sobrevivência passam a funcionar, e o pensamento normal é antes ele do que eu“.
O livro serviu de inspiração para a série de ficção The 100, season 2. Em que sobreviventes num bunker subterrâneo, num planeta devastado pela radiação, sobrevivem às custas de tratamento de hemodiálise que precisam fazer periodicamente em outros sobreviventes que desenvolveram adaptação à alta radiação e que são mantidos prisioneiros, pois deles dependem a sobrevivência dos moradores do bunker.
Dito isso e em posse dessa importante controvérsia a considerar, avaliemos o status de humanidade do zigoto.
Avaliemos:

Podemos definir
Vida como o intervalo em que determinada matéria está organizada numa estrutura constituída pela comunhão de fenômenos que alteram (1) o meio em específicas escalas (2) a própria estrutura, também de forma específica, e que operam - tais fenômenos - confluindo para a manutenção do modelo funcional do próprio ente. Por sua vez, esses fenômenos individualmente resultam de específicos elementos X associados em ambiente Y. Por exemplo, uma célula é uma estrutura constituída pela reunião de propriedades
(membrana citoplasmática e núcleo - Sendo que por vezes o núcleo não é necessário e, as vezes, nem mesmo a própria célula [já que vírus são acelulares]) que realizam reações químicas, mantendo essa estrutura operante frente as agressões do meio. Novas reações podem ocorrer a todo momento para evitar a desintegração dessa bola de fosfolipídeos, o fenômeno da respiração que ocorre ao transferir os elétrons da oxidação para o gás carbono e evitar que estruturas químicas elementares para o funcionamento da bola sejam desgastadas e inviabilize toda a estrutura, enfim... Não-raramente essas propriedades perpassam reprodução e transmissão hereditária, metabolismos
(uma série de reações químicas que operam para manter o ser vivo - como explicamos acima) e, claro, reação e movimento.
Explico: Verificamos que num meio hipertônico, a solução contém mais soluto do que a célula ali inserida. Como o a concentração de ions no espaço extracelular é maior, dada a desproporcionalidade da célula à circunstância posta, o sal suga a concentração de água celular e o ente biológico encolhe, podendo chegar a perder sua estrutura elementar. Num meio Hipotônico, o inverso ocorre: como a solução contém menos soluto do que a célula ali inserida, a água do soluto é sugado pela célula, que pode inflamar a ponto de romper a membrana, fudendo com a estrutura biológica. Resta o fenômeno de gotapassagem da permeabilidade da celular, em que há um ambiente no qual o soluto do meio é proporcionado à quantidade de água da célula, deixando a célula em situação de equilíbrio (Isotônica).
E como a célula reage ao meio? Por uma série de modificações físico-químicas do próprio meio que alteram as estruturas celulares e que desencadeiam em processos físico-químicos de resposta, aperfeiçoados pelo tempo evolutivo. Exemplo: o pH (fenômeno químico) começa a descer no meio (ficando ácido) o que irá modificar a estrutura de uma proteína na membrana plasmática dessa célula, pois, a partir de certo pH tal molécula absorve ou perde elétrons modificando sua estrutura por questões de interações intramoleculares (força eletromagnética da física). Essa molécula modificada irá induzir por forças elétricas a modificação de outras moléculas, sendo uma destas uma molécula que se degrada com a alteração das forças ao seu redor quando em determinado espectro e, sendo um dos constituintes uma molécula alcalina que quando integra era neutra. Desse modo, a molécula alcalina irá ser liberada e encontrará as moléculas que estão reduzindo o pH do meio as neutralizando e permitindo o retorno do pH ao nível anterior, pois base (alcalino) neutraliza ácido. E, desse modo, a acidez não degradou uma outra molécula vital para o funcionamento da célula. Os organismos que tinham esse mecanismo sobreviveram e reproduziram, os que não apresentavam ou possuíam um defeito foram extintos.
Saindo das células e indo, sei lá, para um cachorro. É o cachorro um bloco citológico constituído por compostos orgânicos que operam
internamente para impedir que a estrutura celular se rompa frente as agressões do meio
(já falamos disso acima) e,
externamente, atuando coordenadas desempenhando funções específicas para manter a funcionalidade do organismo, correr, latir, comer, acasalar, etc. Impedindo, portanto, que o mesmo rompimento ocorra a nível maior. Para isso, as células obtém energia através de processos oxirredutivos e o organismo/cachorro emprega essa energia obtendo mais insumos que as células empregarão. A partir daí as células podem fazer novas células ou novas estruturas celulares e substituir as perdas mantendo o fenômeno maior
(cachorro). Logo, a vida é holisticamente um conceito maior que a soma de todos os conceitos que a constitui.
"A vida é apenas a morte sendo evitada e adiada. (...)
Cada vez que respiramos, afastamos a morte que nos ameaça e, assim, nos impomos
numa batalha sempre continua, que se estende até o dia "D", em que
todos os viventes conscientes já sabem de antemão, que não vencerão tal
peleja. - Arthur Schopenhauer
Tendo o feto tais propriedades, não resta dúvida tratar-se de ser ele um ser vivo. Assim como também é ser vivo uma zebra, uma bactéria, uma célula epitelial do intestino delgado ou de uma casca de ferida de um ser humano, etc. De modo que assim classificá-lo só o insere numa categoria genérica que contempla zilhões de outros indivíduos que existiram ou que existem no planeta Terra.
"Nossa existência
está atada a milhares de processos químicos delicadamente equilibrados, todos
fragilíssimos, fáceis de se romper e seguramente efêmeros: a expansão rítmica
dos pulmões absorvendo um fluxo constante de oxigênio, a cadência palpitante de
um coração delicado que pode ser interrompido por um sem número de doenças ou
acidentes estúpidos, uma teia de conexões intrincadas e interdependentes do
cérebro, etc."
Assim, enquadrar o feto como ser vivo pouco diz do ponto de vista de sua suposta humanidade, que seria o elemento central que deslocaria a análise do ente não mais como algo, mas como alguém. Não como objeto ou objeto de direito, mas como sujeito.
O feto sem cérebro é material biológico da família Hominidae, da espécie sapiens sapiens. Assim como é material biológico da família Hominidae, da espécie sapiens sapiens um cadáver que acabou de morrer, uma senhorinha de 80 anos, um bebê, uma adolescente, uma célula qualquer do meu nariz. Existe, contudo, um sub-classificação aqui que torna significativa a distinção entre uma senhorinha de 80 anos, um bebê, uma adolescente e o cadáver que acabou de morrer ou o feto sem cérebro: estes dois últimos não são seres humanos.
E o que é um Ser Humano?
Ser Humano é o elemento biológico, correspondendo a um substantivo coletivo que brota da complexa arquitetura sistêmica de todas as unidades celulares da espécie sapiens sapiens (a nossa) fundidas sob energia X, dispostas de forma Y e que possibilitam a transição da inexistência para a existência da UAO.
Por UAO (Uniquely Autonomous Origin) / Identidade, entenda-se o elemento que constitui individualidade, titularidade ativa indissociável dos componentes seletos do corpo, naquela comunhão que em si mesma encerra o encontro da matéria orgânica com a produção de abstração. Dito de outra forma, a UAO é a ponte entre a construção da subjetividade (a partir de um molho de cooperações e conexões ondulatórias provenientes de atividades químico-elétricas de natureza encefálica) e a própria Biologia, enquanto sistema e códigos de natureza estritamente secos, técnicos, bionuméricos. Um software singularmente único, similar a um programa operacional, instalado em um Hardware de peças comuns a todos os outros, com uma organização sui generis. Você pode ter um software instalado numa CPU sem mouse, sem teclado, até sem visor, mas você não pode ter um programa instalado num “computador” sem Placa-Mãe.
Ainda é importante mencionar sobre a UAO que desta resulta Autoridade, que é um elo de ligação entre o Domínio e Controle Exclusivos sobre o Ente, este último ocorrendo apenas e tão somente na substância da própria UAO, pois é a UAO fato que conecta a matéria orgânica ao bio-abstrato, d'onde qualquer tentativa de violação por terceiros de tal controle resulta numa contradição performática que se traduz numa impossibilidade de domínio e de controle, ou seja, não pode ser agredida sem que perca suas propriedades e deixe de existir.
Pense num cara que estava dirigindo enquanto estava recebendo uma mamada. Distraiu-se, bateu com o carro e atravessou o vidro.
O trauma encefálico fez morrer quase que automaticamente partes pontuais do seu cérebro, promovendo a transição da vida pra morte do organismo. A partir dali, perde-se a UAO e não temos mais um sujeito, temos um mero objeto. Não temos mais alguém, mas algo.
Sobre a natureza orgânica da UAO nas espécies, esse Centro de Operações pode ser muitíssimo bem arranjado, como no caso dos encefálicos vertebrados mamíferos, como a gente (que possui o Mesencéfalo, Ponte e Bulbo, contendo cerca de 86 bilhões de neurônios, ligados por mais de 10 mil conexões sinápticas.... cada), ou pode ser descentralizado ou mais simples, como artrópodes (como as aranhas) - que possuem gânglios cerebrais, os anelídios (como as minhocas), que possuem gânglios nervosos ou cnidários (como águas vivas), que possuem neurônios difusos. Esses sistemas se arranjam em dois cordões neurais paralelos que se estendem pelo corpo dos bichos.
Já no Porifera, as esponjas são agrupamentos de células distintas, com grupos especializados em captação de alimento, defesa do organismo, digestão e reparação, de tal modo que cada célula reage a pressão do meio externo, de modo independente e pré programado no material genético. Essa independência não promove a estrutura numa colônia porque elas todas derivam de uma mesma célula e possuem uma alta taxa comum de material genético (digo alta na incerteza se não são de fato todas iguais), com um grupo ameboide de células totipotentes se diferenciando nas células perdidas por algum motivo e produzindo gametas. Sou da opinião não-formada de que essa independência razoavelmente atípica nos seres eucariontes, heterotróficos e pluricelulares pode facilmente nos encaminhar para a conclusão de que o prompt de comando e, portanto, a própria UAO dos componentes desse Filo é dissolvida em todas as unidades celulares do organismo em si.
Explicados esses dois importantes conceitos, entraremos agora numa introdução da argumentação que será aprofundada abaixo:
Pensemos em Tonhão: Um trafica que acabou de levar dois tiros na cabeça, vindo a óbito na hora. Tonhão está morto! O corpo ainda sofre espasmos, centenas de trilhões de células estão vivas e ainda podem continuar assim por dias (vide cadáveres cujos órgãos são mantidos ativos com ajuda de aparelhos), mas Tonhão morreu porque determinado arranjo específico das células cerebrais se desorganizou, promovendo a transição da existência para a inexistência da UAO e, portanto, do ser-humano.
Até aqui todos concordamos.
Fight!...
Mary Warren nos propõe em On the Moral and Legal Status of Abortion a pensar em seres humanos em termos de categorias e estados. Primeiro devemos pensar nos seres-humanos com potencialidade de existência, vamos chamá-los de seres-humanos-por-hipótese. Esses são aqueles que existiriam se em determinado coito, determinados parceiros não tivessem usado contraceptivo ou se aqueles que existiriam se o material genético fecundado não tivesse sido abortado, espontaneamente/intencionalmente, etc. A segunda categoria seria a dos seres-humanos-vivos (ou seres-humanos-reais), esses são os arranjos biomoleculares que se aglutinaram e chegaram à construir um cérebro. Essa categoria, assim como a seguinte a ser apresentada, é um estado transitório da matéria (o estado de vida), limitada no tempo e espaço. Ou seja, em algum momento o arranjo molecular específico - do cérebro em particular - a que denominamos vida irá se dissolver, naquilo que denominamos morte. A terceira categoria denominaremos extinto-ser-humano, este é aquele estado em que se encontra o ser-humano-vivo que um dia existiu, mas que não existe mais. Ou seja, este é aquele que transitou do estado de vida para o estado de não-vida, para o qual retornou. As categorias de seres-humanos-por-hipótese e extintos-seres-humanos encontram-se ambos no mesmo estado: o estado de não-vida.
Pensemos agora em Tonhão: Um trafica que acabou de levar dois tiros na cabeça, vindo a óbito na hora. Tonhão está morto! O corpo ainda sofre espasmos, centenas de trilhões de células estão vivas e ainda podem continuar assim por dias (vide cadáveres cujos órgãos são mantidos ativos com ajuda de aparelhos), mas Tonhão morreu porque determinado arranjo específico das células cerebrais se desorganizou, promovendo a transição da existência para a inexistência da UAO e, portanto, do ser-humano.
Até aqui todos concordamos.
Certo... Assim como Tonhão que levou 2 tiros, MORREU (ou seja, entrou no estado de não-vida, não está mais vivo) porque o cérebro se desarranjou, um feto que nem sequer tem cérebro formado também não está vivo. Ele está na mesma categoria do cadáver, ou seja, não está vivo porque não tem cérebro arranjado. E não tem cérebro arranjado porque nem mesmo cérebro tem ainda. E, enquanto não o tiver, não estará vivo.
A discussão é: qual o elemento que distingue a vida da morte. Seja de um ser humano pra um cadáver, seja de uma matéria orgânica qualquer pra um ser humano.
Fica redundante e repetitivo, mas é só pra desenhar porque aparentemente precisa.
Um cadáver que acabou de morrer é infinitamente mais complexo e completo do que um feto, pois já tá todo formado.
Seus arranjos, seus órgãos, sistemas, cadeias de conexões. O que o separa da vida é apenas um embaralho substancial no cérebro que acabou de morrer. E o que é o cérebro senão uma organização bioquímica de conexões e impulsos físicos únicos? Mal comparando, cada indivíduo é um protocolo único (21030WRT83BR98320201SZ838390SQ31283EEQ12A98). Sendo assim, se o perfeita e especificamente organizado cérebro é elementar e fundamental pra existência de ser-humano-vivo, vide Tonhão, como pois poderia um acerebrado o sê-lo (ser-humano-vivo)?
Por haver morte cerebral, estão mortos os cadáveres, ou seja, não estão vivos. E o que é a morte? É a não-vida que sucede a vida. De igual modo, o feto que não tem cérebro encontra-se na mesma categoria do cadáver. Ou seja, não está vivo (não-vida!), com o diferencial de que aquele transitou da vida para a não-vida, então este (o feto) nunca viveu (até o momento).
E, não vivendo, não tem vida. Não tendo vida, não o tratamos como se vivo estivesse, dando a ele a mesma importância que damos aos espermatozoides que você mata todo dia no banho.
Certo, dito isso, considero importante antes de prosseguir que tenhamos contato com um vocabulário apenas para ajustar nossa linguagem e não nos perder na incompreensão do que será dito. Lembre-se de voltar para visitá-lo sempre que eventualmente considerar que os conceitos empregados estão travando a comunicação.
1 → vida =
definição extremamente simplista de união citoplasmática + núcleo com
propriedades envolvendo obtenção de alimentação, reprodução, etc. (mas fique a
vontade para pensar na definição mais precisa dada acima);
2 → não-vida = estado caracterizado pela não-ocorrência-da-vida, podendo ser absoluta (a matéria jamais se organizou num estado de vida) ou relativa/também chamada de morte (a matéria organizou-se num temporário estado de vida e desorganizou-se, retornando ao anterior estado de não-vida);
3 → morte =
não-vida seguida de vida;
4 → ser-humano
= conjunto que reúne os subconjuntos <ser-humano-vivo> e
<célula-ovo/zigoto/embrião/feto-sem-cérebro/cadáver do Tonhão> (não se
esqueça de lembrar o que foi explicado na pergunta acima <E o que é um Ser
Humano?>);
5 →
ser-humano-vivo/ ser-humano-real = estado temporário da matéria orgânica de nossa espécie que
corresponde ao conjunto de trilhões de células atuando coordenadas por um
córtex cerebral e que vai desde a formação operante/ativada e integralizada do
cérebro, cerebelo, bulbo, córtex ativo e operante, mesencéfalo, tálamo,
hipotálamo, ponte etc. até a sua deformação/desativação e desintegralização
(morte);
5.1 → ser-humano-por-hipótese = eventual ser humano que existiria em caso as condições para sua existência possível tivessem sido dadas, em realidades alternativas.
6 → vida humana
= exercício de existência do ser-humano-vivo;
7 →
célula-ovo/zigoto/embrião/feto-acéfalo/recém-falecido = matéria orgânica de
nossa espécie que não possui formados e/ou integralizados/organizados o
cérebro, cerebelo, bulbo, córtex ativo e operante, mesencéfalo, tálamo,
hipotálamo, ponte etc;
8 → morte (do
ser-humano-vivo) = morte que ocorre quando parte substancial do encéfalo do
ser-humano-vivo é agredida sem possibilidade de reversão;
9 → presunto = Extinto-ser-humano. Estado em que se encontra o cadáver após o cérebro morrer e antes da última
célula viva do ser-humano-vivo transitar da vida para a não-vida;
10 → cadáver = Extinto-ser-humano. Estado em que o organismo se encontra após a última célula viva do
ser-humano-vivo transitar da vida para a não-vida;
11 → morte
cerebral = morte (do ser-humano-vivo);
12 →
Expectativa = potência contingente;
13 → potência
contingente = evento possível que pode ocorrer ou pode não-ocorrer. Ex: uma
criança tem potência para se tornar idosa... ou não, em caso morra antes dos
40;
14 → potência
absoluta = evento possível que no Plano EX é necessária, sendo invariável,
imutável, independente e não-condicionada a fatores alheios. Ex: idosos têm
potencial para se tornarem cadáveres;
15 →
Homicídio/Assassinato = remoção (tida como injustificada) da vida de um
ser-humano-vivo;
16 → natural =
tudo aquilo que ocorre na natureza;
17 →
natural-artificial = tudo aquilo que ocorre na natureza disposto por
intervenção humana;
18 →
natural-natural = aquilo que ocorre na natureza sem quaisquer intervenções
artificiais;
19 →
Homicídio/Assassinato Intra-Uterino = subtipo de homicídio que consiste na
remoção (tida como injustificada) da vida de um ser-humano-vivo enquanto este
encontra-se alojado no útero;
20 →
Interruption = eliminação da concretização do potencial de conversão de que
determinada matéria-orgânica gozava de integrar componente da não-vida que
transitou para o estado de ser-humano-vivente. Subdivide-se nos subconjuntos
Abortos e Contracepção;
21 → Aborto =
Subconjunto do conjunto Interruption. Consiste em eliminação da concretização
do potencial de conversão de que determinada matéria-orgânica-fecundada gozava
de integrar componente da não-vida que transitou para o estado de
ser-humano-vivente;
22 →
Contracepção = Subconjunto do conjunto Interruption. Consiste em eliminação da
concretização do potencial de conversão de que determinada
matéria-orgânica-não-fecundada gozava de integrar componente da não-vida que
transitou para o estado de ser-humano-vivente. Ou seja, o mesmo que o adolescente faz quando usa camisinha.
Dito isso, pense no meu eventual irmão, chamemo-lo Sinfrônio, que
nunca existiu porque meu pai decidiu gozar fora "aquela noite lá".
Sinfrônio não chora no mundo da inexistência porque não existiu. Sinfrônio não
sofre por não ter existido. Sinfrônio nunca existiu para pensar o que quer que
seja do fato de que nunca transitou da inexistência para a existência. Agora
pense no meu eventual irmão, chamemo-lo Beto, seres-humanos-por-hipótese, que tampouco existiu porque o
processo que eventualmente poderia culminar em sua existência foi interrompido
enquanto este era ainda uma célula-ovo, zigoto, embrião ou feto-acerebrado. Tal
como Sinfrônio, Beto jamais existiu enquanto ser-humano-vivo. E não existiu
porque o processo que culminaria em sua existência fora brecado antes de sua
conclusão.
Temos assim que Sinfrônio e Beto são comparáveis, pois ambos
compartilham uma característica em comum: nunca existiram. E temos assim que
Sinfrônio, Beto e Tonhão são comparáveis, pois ambos compartilham uma
característica em comum: estão não-vivos. Beto e Tonhão compartilham uma
intersecção em sua trajetória de movimentos opostos: compare com um nadador a
3m. de profundidade que sobe em direção à superfície, enquanto outro mergulha
submergindo em direção ao fundo. Em dado momento, ambos os nadadores
encontram-se no mesmo estágio de profundidade (ex: 1,2m.), o que os difere é a
direção que tomam. O mesmo ocorre com o feto-acerebrado sendo gerado e um feto
de 5 meses de gestação que acabou de morrer. Pensando neste, vamos dizer que o
feto que acabou de morrer tem um 1 trilhão de células, sendo que mais células
são deformadas a cada minuto e um feto que está sendo gerado tem 999 bilhões de
células vivas, com mais sendo geradas a cada minuto. Eles vão se encontrar no
meio, passar pela mesma fase ontológica, residindo a discriminação entre eles no
caminho que percorrem. Um transita da não-vida para a vida, formatando os
mecanismos necessários à conceição de sua vida-humana, e outro transita da vida
para a não-vida total de todas e cada uma de suas células (mas o status de vivo
foi perdido no instante em que o cérebro morreu). Primeiro o cérebro, depois as
demais células em cadeia, até deixar de ser presunto e passar a ser cadáver (ver 10 → cadáver). Comparando com Tonhão, o cérebro está todo formado e ok..
O que o separa da vida? Dois tiros, que deram uma "bagunçada" em
algumas regiões do cérebro. Veja que essa desorganização é o suficiente para
conduzir Tonhão ao status de não-vivo. E se é assim, tanto mais ocorre com Beto
cujo aparato encefálico está muito aquém disso!
Sim, já me adianto. Verdade que o feto está em desenvolvimento e que o
feto é um projeto do componente que um dia pode vir a ser um ser-humano-vivo, detendo
portanto potência para isso,
(1) mas ambos
(espermatozoides, cadáveres e fetos acerebrados) não são seres-humanos-vivos,
que é o que importa para efeitos de catalogação.
Enquanto o feto não
viver, não daremos a ele a importância que damos a um ser-humano-vivo porque...
ele não é ser-humano-vivo.
Portanto, no aborto,
você não comete assassinato/homicídio. E o que é homicídio? Homicídio é a
remoção (tida como injustificada) da vida de um ser-humano-vivo. Não é o
homicídio eliminação do eventual potencial de uma determinada matéria orgânica
de vir a ser um ser-humano-vivo. São conceitos completamente distintos, perceba
isso!
A linha do tempo
importa! Uma criança é um projeto do que um dia pode vir a ser um adulto, mas
não é um adulto. Um adulto é um projeto do que um dia pode vir a ser um idoso,
mas não é um idoso. Um idoso é um projeto do que um dia será um cadáver, mas
não é um cadáver. Um estudante de Medicina é um projeto do que um dia pode vir
a ser um Médico, mas não é um Médico.
No aborto, não se
mata um ser-humano-vivo, mas elimina-se a concretização do potencial de
conversão de que determinada matéria-orgânica gozava de integrar componente da
não-vida que transitou para o estado de ser-humano-vivente (o mesmo que o
adolescente faz quando usa camisinha - 'Vide 20 → Interruption'). E é por isso
que se chama aborto, rsrsrs. Porque você aborta! Ou seja, elimina essa eventual
possibilidade de existência via procedimento medicamentoso/cirúrgico.
Temos assim que a
célula-ovo, zigoto, embrião e/ou feto-acéfalo são meros estágios de
desenvolvimento do recipiente/casca/cápsula com potencial de abrigar um
ser-humano-vivo, gozando do exercício da vida humana. Esta, a vida humana,
inicia-se com a ativação do cérebro minimamente formado e encerra-se com sua
desativação.
Soa, portanto, tão
razoável exigir das gestantes que gerem a célula-ovo, zigoto, embrião e/ou
feto-acéfalo até que tais materiais orgânicos progridam e formatem cérebro e,
portanto, adquiram vida humana PORQUE se pensa no bem da possível futura
criança, quanto o soa exigir dos adolescentes que não se privem de sexo, nem
muito menos que utilizem de contraceptivos. Que deveriam estes ser forçados a
fazer sexo todos os dias, o dia todo. Aproveitando todas e cada uma das janelas
de oportunidade pro máximo de eventuais futuros seres-humanos-vivos virem à
existência. Ou, ainda, exigir que um hospital privado de última geração
disponibilize seus aparelhos de UTI para manter o presunto de Tonhão operante
até que a Ciência adquira tecnologia e ciência necessárias para reverter seu
estado de óbito. Rotulando os médicos que desligassem essa aparelhagem como
assassinos.
A diferença no
estado/condição temporal ontológico entre ambos os entes Sinfrônio e Beto (- ou
seja, não-vida), inexiste. O que os distingue é tão somente a substância desses
entes e o grau de expectativa de que o télos conduza à concretização do seu potencial
(um estudante de Medicina no 7º período detém mais expectativa de virar médico
do que um estudante do 1º período na facul). Estando Beto mais próximo da concretização
desse potencial - conquisto da vida-humana - do que Sinfrônio. Por exemplo: Um
cachorro morto e um leão morto estão ambos na mesma condição ontológica
(não-vivos), embora sejam entes substancialmente (cachorro e leão) distintos.
(2) detém o feto
acerebrado potência contingente para se tornar ser-humano-vivo. E por quê?
Porque uma vez associado aos mecanismos indispensáveis a essa consecução,
possui o feto acerebrado télos que o direciona a tornar-se necessariamente
ser-humano-vivo, não uma cadeira. E porque é contingente e qual a importância
disso para a questão? É contingente porque a potência do feto-acerebrado e do
espermatozoide para efetuar eventual conversão em ser-humano-vivo não é certa e
determinada nesse processo de transição. É, portanto, uma mera expectativa
contigencial. É contingente porque o feto-acerebrado e espermatozoides não
encerram em si próprios da disposição dos elementos para efetuar essa
transição. O espermatozoide depende, para efetuar essa transição em
ser-humano-vivo, de unir-se ao óvulo, nidar-se e gastrular com eficácia,
receber genes da gestante, nutrientes, anticorpos e um útero saudável que
possibilite essa transição. Já o feto-acerebrado tampouco dispõe em si próprio
dos elementos necessários para efetuar a transição para ser-humano-vivo. O
feto-acerebrado depende da aquisição de genes da gestante, substâncias,
nutrientes, anticorpos e um útero saudável que possibilite a promoção dessa
metamorfose bioquímica até a aquisição do aparelho encefálico. Oras, mas o cadáver
também tem a potência de se tornar um ser-humano-vivo, desde que entre em
contato com substâncias (que a Ciência de nossa época desconhece, pois não
sabemos ressuscitar mortos) que possibilitem a reversão do quadro de óbito.
"Pode-se com clareza distinguir a essência de um espermatozoide das essências de um zigoto, um embrião, um feto desprovido de aparelho cerebral e, ainda, da essência de um ser-humano-vivo. Um embrião não equivale a um ser-humano-vivo. A união de um espermatozoide com um óvulo é condição necessária para formar o zigoto, mas não suficiente para gerar um ser humano. A informação genética proveniente dos progenitores não é suficiente, é necessária um conjunto de outras informações providas pela gestante da placenta. (...) O zigoto pós-nidação não é um ente biológico formatado e terminado, isto é, no processo de intercâmbio placentário, a gestante não apenas provém ao feto o ambiente propício para seu desenvolvimento, oxigênio e nutrientes, eliminando substâncias residuais e o dióxido de carbono gerado pelo embrião evitando que o feto se intoxique, mas também oferta ao feto anticorpos e, muito especialmente, genes. Disso desenvolve-se o complexo processo que irá culminar em corrupção da matéria à conceição de um novo ser, que formata/constrói lentamente o código genético do feto e sua possibilidade de independência fora do útero. Sem isso, seria a gestação inviável. Por sua vez, também o feto insere no organismo da gestante genes variados que instam o organismo desta a produzir na placenta uma série de substâncias que adéquam o ambiente uterino às necessidades do próprio feto. De modo que tanto a gestante, quanto o feto sofrem mudanças epigenéticas ao longo da gestação e que sem os mecanismos dessa íntima relação entre ambos, o nascituro não progrediria na placenta. Os humanos são mamíferos placentários. Somos mamíferos por termos pêlos e produzir leite e placentários porque o desenvolvimento somente pode ocorrer dentro do útero. Cabe destacar que nenhum laboratório até o presente conseguiu gerar um embrião de mamífero fora do útero materno durante todo o período gestacional e que produzir esse placentário ambiente de permuta informacional mostra-se tão simples quanto produzir um cérebro artificial. Temos assim que não procede os rumores de que na concepção o embrião já é um ser terminado e independente da mãe sendo, portanto, um ser já apartado e individual. (...) A concepção é, na verdade, um processo que envolve além da reunião dos gametas masculino e feminino, a adição de um outro fator, a complexa rede de materiais genéticos que a gestante oferta ao feto no processo de gestação (ou diríamos mesmo de concepção continuada). Mal comparando, considerar o resultado da nidação como indivíduo humano parece-me ser ontologicamente equivalente a dizer que se colocarmos parte dos ingredientes de uma Batida de Conhaque no liquidificador estaríamos nós autorizados a insinuar que a mistura resultante é uma Batida de Conhaque, quando esta receita necessita não apenas da agremiação dos ingredientes ali postos, mas também de um liquidificador operando e da adição do Conhaque após três minutos sendo batida em velocidade média para efetuar essa transição de estado. (...) É o embrião, portanto, tão potencial ser-humano quanto um espermatozoide, diferindo-se ambos apenas e tão somente no âmbito das etapas vencidas." (KORNBLIHTT, Alberto, Embriogénesis: inscripciones genéticas, p. 378-379; KORNBLIHTT, Alberto, et. al. - Intragenic epigenetic changes modulate NCAM alternative splicing in neuronal differentiation, p. 34-35)
Reiterando esse pensamento, Baruch Brody - doutor em Medicina e Neurociência e Professor de Bioética no Baylor College of Medicine - diz em Identity and Essence que o protagonismo do cérebro como motor da animação do organismo deve ser levado em consideração. Tal qual extrair de um triângulo um de seus ângulos ou inseri-lo é elemento substancial que definirá a forma posta como Triângulo ou não, por simetria, tornamo-nos seres humanos com a atuação dos órgãos encefálicos, assim como morremos quando elementos substanciais do encéfalo morrem. E como isso ocorre? Em Life and Death Decision Making e em The Ethics of Biomedical Research, Brody expõe uma série de estudos que demarcam o entendimento hegemônico em sua área que demarcam a importância da atuação ou não do cérebro para os organismos encefálicos. É o cérebro quem constitui e harmoniza a vitalidade do nível do organismo, que coordena a rede nervosa que conecta os apetrechos dos sistemas e que, portanto, dá unidade somaticamente integradora ao corpo, transformando-o de mero conjunto de órgãos e tecidos em organismo como um todo.
Temos assim que o cérebro é o centro de operações do organismo, com todos os demais órgãos orbitando como acessórios em redor dele e para ele, tendo eles como função-primeira a manutenção da existência do órgão-central. A extensa miríade de exemplos dessa cadeia funcional é citada tanto por Brody, quanto por David Boonin em A Defense of Abortion. A função-primeira dos rins é filtrar o sangue que será levado ao cérebro. A função-primeira do coração é bombear o sangue filtrado para o cérebro. A função-primeira dos pulmões é absorver gases, oxigenando o cérebro. A função-primeira dos olhos é capturar informações do meio que serão decodificadas e processadas pelo cérebro. Por óbvio que, numa hipotermia, por exemplo, o hipotálamo desliga a temperatura dos membros para concentrar energia na manutenção do tronco e do cérebro, posteriormente, remaneja a energia restante para manter o encéfalo aquecido e, então, também ali a temperatura é perdida para o ambiente, trazendo óbito ao organismo. Quando os pulmões param de absorver oxigênio ou o coração entra em processo de parada cardíaca, o mesmo ocorre. Como o progresso científico bem demonstrou, não está a "animação humana" alojada nos intestinos ou no coração, como os antigos pensavam, mas sim na cabeça. Podemos doar rins, pulmões, fígados e corações, que "as pessoas" não vão juntas com o transplante. Em contrapartida, se a cabeça de Tício for transplantada para o corpo de Mévio, certamente quem há de viver é Tício (cérebro), usando os órgãos de Mévio para promover essa manutenção da vida (do cérebro/Tício).
Dizer, pois, que o
feto acerebrado é ser-humano-vivo seria, sei lá, o mesmo que colocar os
ingredientes de uma batida no liquidificador e insinuar que aquela mistura tem
a potência de se tornar uma batida de conhaque, rsrs. Não, crlh! rs, ela
depende do liquidificador operando (ente externo) e da adição do conhaque após
3 minutos sendo batida para efetuar essa transição de estado. Compare-se: Um
estudante de Medicina goza de potência contingencial para ser Médico. Contudo,
não pode ele afirmar que será médico, pois a contingência justamente significa
que a efetivação dessa potência de que ele goza depende da manutenção de vários
eventos incertos. Seu pai precisa pagar as mensalidades faltantes, ele precisa
ser aprovado em todas as cadeiras, lograr êxito na apresentação do TCC, não
morrer antes da diplomação, não desistir do curso, obter registro junto ao CRM,
etc. Se o pai dele perder o emprego e não conseguir mais pagar a
fuckmensalidade, isso não significa que o pai matou um médico, mas simplesmente
que restou frustrado o potencial de transição do estudante de Medicina em Médico
em virtude de não satisfação das condicionantes contingentes postas.
Perceba que nos
três casos, não dispõe os entes por si próprios das características necessários
à mudança de status, necessitando do incremento de outros adjacentes que podem
não ocorrer, daí a contingência. Tal como o espermatozoide, tal como o
estudante de Medicina, o feto sem cérebro é apenas e tão somente o
espermatozoide com algumas etapas vencidas.
E por que essa
discriminação de potências é importante? Porque inibem a frequente e indevida
extrapolação da expectativa do potencial contingente do ente, no caso, o feto
acerebrado. Ou seja, dizer que o feto acerebrado só não se converte em
ser-humano-vivo em caso de não conseguir nidar-se e gastrular com eficácia, não
recebe genes da gestante, ou nutrientes, ou anticorpos ou um útero saudável que
possibilite essa transição é o mesmo que dizer que um espermatozoide só não se
converte em ser-humano-vivo quando não consegue unir-se ao óvulo, ou quando não
consegue nidar-se e gastrular com eficácia, não recebe genes da gestante, ou
nutrientes, ou anticorpos ou um útero saudável que possibilite essa transição.
É o mesmo que dizer que o estudante de Medicina só não se transforma em Médico
quando ele morre, ou quando o pai perde o emprego e não pode mais pagar a
mensalidade, ou quando ele reprova, ou quando ele desiste do curso, ou quando
ele não obtém registro no CFM :V Ou seja, verdade. Ele só não consegue concluir
essa transição quando não dispõe dos instrumentos necessários a isso. E daí? n
situações brecam a conversão do estudante de Medicina em Médico, do
espermatozoide ou feto acerebrado em ser-humano-não-vivo. Por que acha que a
informação de que uma mistura só não vira conhaque se não for batida conduz à
conclusão de que devemos bater a mistura?
Foi a procura do instrumento lógico de definição de quando o ser humano morre que definiu a base lógica, por simetria, que nos conduz à conclusão de quando o ser humano surge. Da forma como as sociedades entendem no quesito de relevância, não tratamos cadáveres como seres humanos e o critério pra distingui-los é a operação cerebral. Se dada operação existe, ser humano vivo é. Se não existe, é cadáver. E, nessa esteira, descobrimos um vácuo que vai desde a concepção até a formação da ativação cerebral em que a matéria orgânica em estágio de desenvolvimento não é ser-humano-vivo, daí fica autorizada nesse período a possibilidade de interromper a gravidez, visto, tal qual na contracepção, não termos um ser-humano-vivo em jogo. Haja vista, observe-se que nos fetos humanos, o protótipo de coração e outros órgãos
surgem a partir do 1º mês e dois dias de gestação. O sistema nervoso, por sua vez,
inicia seu desenvolvimento a partir da terceira semana de gestação, esse rol de mecanismos
será integralizado pelo sistema nervoso central a partir do 6º mês de gestação,
período que o feto leva para desenvolver os elementos substanciais da neurogênese,
desenvolvendo capacidade de
ter sensações como dor e alegria, e que dá largada no processo que continua ocorrendo após o nascimento e até na fase adulta. Já os elementos substanciais dos mecanismos de atividade cerebral, mais especificamente da subplaca do tálamo e placa cortical, associados ao surgimento da individualidade da UAO
ocorrem a partir da 14ª semana de gestação, sendo que a maioria dos países só aprova o aborto até 12 semanas, para dar 2 semanas como margem de segurança.
(00) My Body, My Choice (Meu Corpo, Minhas Regras)!:
A partir dos conceitos sobre vida humana acima expostos, vamos começar essa reflexão notando o argumento de “Cada um faz o que acha melhor”, que é utilizado como resposta que qualifico como absurda aos anti-abortistas, pois o que está sendo discutido é muito sério: o feto abortado era tão ser humano quanto um idoso? uma criança de cinco anos? um bebê de colo? interromper a gestação é um assassinato? De outro lado, se o feto sem cérebro não é um ser humano, isso significa dizer que via de regra subtraímos de alguém o importantíssimo direito à autodeterminação sobre seu próprio corpo em nome de algo que ainda não é alguém.
No processo de gestação, temos envolvidas na relação duas partes a considerar: a gestante e o feto. Se no caso concreto tratamos da relação entre um organismo sem UAO e a mulher, de tal modo que na lide temos de um lado um ser humano formado, completo e com direito reconhecido à autodeterminação (que está sendo requerido quando da manifestação do desejo de abortar) e, do outro, temos um ser que tem apenas potencial de ser pessoa, mas ainda não é. Então, a primeira parte tem a soberania completa dessa interação sobre a segunda, que, aliás, não existe. E, não existindo, não pode pleitear um direito que não possui.
Quando tratamos da relação de um feto com UAO e a mulher, o popular slogan de Betty Friedan fica deslocado e desconexo. Afinal, não se trata mais de ditar absolutamente o direito à autodeterminação quando falamos num ser humano que está alojado no corpo de outro ser humano em desenvolvimento. Trata-se, na verdade, de mediar os interesses (direito à vida x direito à autodeterminação sobre si próprio) das duas partes envolvidas da melhor forma possível (que varia no caso concreto).
Por isso é tão importante investigar quando e como um feto, que tem potencial de tornar-se ser humano, passa a sê-lo de fato. E é este milagre que a gestação faz: toma partes do mundo e constrói/formata a partir delas a constituição de um novo ser humano humano.
Acho interessante avaliarmos a História das Discussões a Respeito do Aborto e os insights que dela brotam: Tão antiga quanto a humanidade, a prática do aborto, ao contrário do que muitos podem pensar, possuía ampla aceitação em grandes civilizações antigas.
No Egito papiros de Kahun, Ebers, Berlim, Carlsberg e Ramesseum descrevem o aborto como “abandono do estado de gravidez”, que consistiam em lavagens de vários tipos, como a realizada com azeite muito quente.
Por influência do pensamento estoico, o feto não era considerado humano na Grécia antiga até que respirasse. Apesar disso, a partir de leis como as de Licurgo e de Sólon e a legislação de Tebas e de Mileto, o aborto - sob protagonismo da mulher - era tipificado como crime em decorrência da violação aos direitos do homem sobre sua prole. Sócrates defendia que o aborto fosse um direito materno.
Os debates a respeito do aborto já na Grécia Antiga eram quentes. Hipócrates escreveu proibindo que médicos usassem pessários para induzir o aborto. Alguns veem nisso um tipo de vedação ao aborto, mas a erudição contemporânea tem um razoável entendimento firmado de que a intenção orbitava mais na conclusão dos médicos antigos de que os instrumentos poderiam provocar úlceras vaginais e que o procedimento foi interpretado como demasiado perigoso para ser encorajado. Aristóteles e Platão defenderam o aborto, tendo o primeiro escrito longos tratados a respeito da organogênese (falaremos sobre ela abaixo) considerando o momento em que o ser humano ganha "vitalidade" e o segundo abordado a questão sociológica, recomendando o aborto para limitar o tamanho da família, conservar a saúde do corpo das mulheres maduras e como modo de cortar despesas e, assim evitar doenças e a fome. Em Política, defende que esse direito era reservado à mãe.
O Direito romano não atribuía personalidade jurídica ao nascituro, pelo que na Roma Antiga o aborto era permitido. No século II d.C., Septímio Severo e Caracala promulgaram alguns éditos criminalizando o aborto, tal dispositivo jurídico tinha o objetivo principal de tutelar os direitos do pai e resolver conflitos de sucessão. Ulpiano escreve em Digest que: "Um nascituro é considerado nascido, na medida em que diz respeito a seus lucros."
No período medieval não foi diferente. Não apenas estudiosos e acadêmicos, mas também santos e doutores defenderam a tese de que a "alma" era infundida no corpo para viabilizar o projeto humano em momento posterior à concepção. Nas penas da época, essas posições ficaram conhecidas como Animação Imediata e Mediata. A esse respeito, a Animação Mediata - que é a que nos interessa aqui - defendia que a Alma era infundida no corpo após a conclusão da organogênese. Dentre os defensores da Animação Mediata, encontramos Santo Agostinho, Tertuliano e São Tomás de Aquino.
Em 29 de outubro de 1588, o Papa Sisto V publicou a Bula Effraenatam condenando o aborto e impondo pena canônica a quem o praticasse. Porém, em 31 de Maio de 1591, Gregório XIV publicou a Sedes Apostolica, onde distinguiu entre feto animado e inanimado, reservando pena menos severa para o aborto de feto inanimado e autorizando o aborto (do feto inanimado). Em 2 de Março de 1679, Inocêncio XI Publicou 65 condenações da doutrina moral Laxista, onde nos nºs 34 e e 35 condena: 'É lícito procurar o aborto antes da animação do feto, para que a menina descoberta grávida não seja morta ou desonrada.' e 'Parece provável que todo feto (enquanto se encontra no útero) não tenha alma racional e que comece inicialmente a tê-la quando é parido: como conseqüência se poderá dizer que em nenhum aborto se cometerá homicídio.' (Denz. 2134-2135). Perceba-se, assim, a convicção consensual de que há distinção entre feto animado X inanimado, a Doutrina fechada sobre o feto animado e as interrogações que vêm no proceder para com o feto inanimado. Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor em Moral da Igreja, ressalta (Teologia Moral Tomo II, Trat. IV, Cap. I, nº 393-398) como a animação mediata basicamente era um consenso dos moralistas, ao qual ele adere. Diz ele:
"Se o aborto é absolutamente necessário para salvar a vida da mãe, devemos adotar as seguintes regras: 1º. Se o feto há de causar a morte da mãe, e é provável que ainda não esteja animado com uma alma racional, alguns permitem expelir o feto com intenção direta, como Sánchez (De Martin, lib. 9, disp. 20, n. 9 - Henriq., lib. II, capo. 16, nº 8), Henriquez, etc., contra Lessius (Loc. cit., n. 61) e outros, cuja opinião deve ser seguida na prática. Por que razão expeli-lo diretamente, se é lícito e suficiente expeli-lo indiretamente? 2º. Se o feto está animado, e julga-se que a mãe morrerá junto com o feto, a menos que tome determinado remédio, é lícito tomá-lo. Segundo alguns, está até obrigada, buscando diretamente apenas sua saúde, mesmo que indiretamente, e como consequência, o feto morra, pois neste caso de necessidade, a mãe pode cuidar mais de si mesma do que da prole. (...) Pergunta-se, 1º. É lícito à mãe, sofrendo duma doença extrema, tomar um remédio que sirva diretamente para expelir o feto inanimado? É certo que expelir o feto, ainda que inanimado, é em si pecado mortal. Quem o expulsa é culpado de homicídio, como diz no cap. Si aliquis, de homicid., pois, embora não destrua a vida dum ser humano, impede proximamente a vida dum ser humano. - Por outro lado, todos consideram lícito dar à gestante um remédio que se ordena diretamente à sua cura, mesmo com risco de aborto, caso a doença da mãe seja mortífera. Dá-se o contrário caso a doença não seja mortífera, como bem adverte o Continuador de Tournely (De 5º Praec., art. 3, sect. I, concl. 2, v. Resp. 2. Cum mater). Dúvida: Neste caso é lícito dar-lhe um remédio que se ordena diretamente a expelir o feto? A primeira opinião o afirma, e é sustentada por autores de peso, como Sánchez (De Matrim., lib. 9, disp. 20, n. 9), Laymann (Lib. 3, tr. 3, part. 3, cap. 4, num. 4 - Silvest., v. Medicus, qu. 4, vers. Secundum. - Navar., Man., cap. 25, n. 62), com Silvestre, Navarro etc., além do Petrocorense (De Virtut., lib. 4, tr. 2, cap. 3, qu. I), Viva (InPropos. 34. XI, n. 9 et seqq), Mazzota (Tr. 4, disp. 2, qu. 3, cap. I, §I, v. Dico 4, qu. I), Habert (Tr. de Matrim., cap. 6, §2, qu. 5) e outros. - Argumentos: 1º. Como o feto é neste momento parte das vísceras, a mãe não está obrigada a conservá-lo correndo tão grande risco de vida. 2º. Neste caso a mãe pode expeli-lo como um agressor de sua vida; e embora o feto não seja um agressor voluntário, a mãe não está obrigada a sacrificar sua vida presente para conservar a vida futura da prole, sobretudo porque, morrendo a mãe, o feto não tem nenhuma possibilidade de sobreviver. - Santo Antonino (PArt. 3, tit. 7, cap. 2 §2) favorece essa opinião, dizendo: 'Se o bebezinho ainda não está animado com uma alma racional, o médico pode, e deve, ministrar tal medicamento, pois, embora impeça a animação do feto, contudo, não é a causa de morte dum ser humano, e produz algo bom, que é livrar a mãe da morte.' Com razão, Sánchez (Loc. cit., n. 7) excetua o caso em que há dúvida se o feto está ou não animado (ele afirma que essa é a opinião comum entre todos os doutores, contra alguns poucos), pois é intrinsecamente mau expor de forma positiva um inocente ao risco de morte. A segunda opinião, mais comum, ensina que é lícito à mãe tomar um medicamento que se ordena diretamente a curar sua doença, ainda que por isso o feto seja indiretamente expelido; não, porém, tomar um medicamento que se ordena diretamente a expelir o feto. Assim pensam Lessius (Lib. 2, cap. 9, num. 61 et 62), Lugo (De Just. et Jure, disp. 10, num. 131 et 132), Ponce (De Matrim., lib. 10, cap. 13, n. 2), Figliucci (Tr. 29, cap. 6, num. 101 et 102), Cabassut (Lib. 5, cap. 20, n. 8, só nega que seja lícito tomar um remédio que se ordena diretamente a curar a mãe, ainda que o feto seja por isso expelido indiretamente), o Continuador de Tournely (De 5º Praec., art. 3, sect. I, concl. 2, v. Resp. 1 et Resp. 3), Sporer (Part. 4 (de Matrim.), cap. 4, num. 704 et 709), Cardenas (Dissert. 22, num. 28 et 60), Bonacina (Disp. 2, de Restit. in part., qu. ult., sect. I, punct. 7, n. 3), os Salmanticenses (Tr. r3, cap. 2, n. 62 et 64), La Croix (Lib. 3, part. 1, n. 826), Holzmann ( De Praec. Decal., n. 597), Elbel (De Matrim., confer. 19, n. 464 et 165) e outros muitos. (...) Ambas as opiniões são prováveis. - Mas creio que, neste caso, devemos abraçar a segunda opinião, que é mais segura, pois a primeira opinião não ajuda em nada na prática, e parece que os doutores se esforçam em vão para defendê-la. Porque, como diz nosso Padre Busembaum, tomar um remédio que se ordena diretamente a expulsar o feto, quando é possível e suficiente expulsá-lo indiretamente? (...) Pergunte-se, 2º. É lícito à gestante adotar um tratamento que se ordene diretamente a curar a doença, se se teme que o feto animado sofrerá por causa disso um aborto indireto? Respondemos: Se o tratamento se ordena diretamente a matar o feto, como arrancar o útero, bater no ventre, etc., nunca é lícito. Mas se se ordena diretamente a conservar a vida da mãe, como tomar um remédio que purifica o corpo, cortar uma veia, tomar um banho, etc., é certamente lícito, quando se tem a certeza moral de que, se a mãe não fizer isso, ela morrerá junto com a prole. - Assim pensam Habert (De Matrim., cap. 6, §2, qu. 4, resp. 2) e o Continuador de Tournely (De 50 Praec., art. 3, sect. I, concl. 2, v. Resp. 4. Idem), seguindo a opinião comum. Dúvida: É lícito à mãe tomar um medicamento quando há dúvida se, com a morte da mãe, a prole poderá sobreviver e ser batizada? (...) Acho que devemos dizer o contrário, com Elbel, o Petrocorense (De Virtutib., lib. 4, tr. 2, cap. 3, qu. 2. - Elbel, de Matrim., num. 466), e o Continuador de Tournely (De 50 Praec., art. 3, sect. I, concl. 2, v. Resp. 4), com Sílvio (Sílvio [que não é citado pelo Continuador de Tournely a favor dessa opinião], nega que se possa usar tal remédio "se se espera que o feto saia vivo e seja batizado caso a mãe não tome o remédio... Mas se é muito provável que os dois morrerão se a mãe não tomar o remédio..., e se é possível salvar pelo menos a vida da mãe com ele, é provavelmente lícito tomar este remédio que é em si mesmo bom e se ordena à saúde da mãe, desde que não seja tal, que se ordene diretamente a matar a prole [in 2am 2sc, qu. 64, art. 7, qu. 4, concl. 5]), Habert, Comitolo (Comitolo, Resp., lib. 4, qu. 13, n. 6, diz em termos absolutos que é possível tomar o remédio; dentre os argumentos em que se baseia, destaca-se este: "Porque raramente acontece de o bebê, ligado ao ventre da mãe, não morrer da mesma doença que mata a mãe. Como, portanto, em se tratando da vida, devemos seguir o que é verossímil e acontece quase sempre, o médico pode seguramente dar o medicamento à mulher grávida, para que a mãe seja salva e não pereçam tanto ela como a prole".) e a opinião depois da morte da mãe, de tal modo que o bebê pudesse receber a graça do Batismo, pois neste caso parece que a caridade não obriga a mãe, que está em extrema necessidade, a que negligencie sua vida, abstendo-se dos remédios, por causa da esperança exígua e remotíssima de sobrevivência da prole. (...) Pergunta-se, 3º. A partir de quando se considera que o feto está informado por uma alma? Inocêncio XI condenou a proposição 35 que dizia: 'Parece provável que todo feto, enquanto está no útero, carece de alma racional, e só a recebe quando nasce. Por conseguinte, devemos dizer que nenhum aborto é homicídio. - Por outro lado, alguns dizem incorretamente que o feto está animado desde o primeiro instante da concepção, pois o feto não pode ser animado antes de ser formado como se deduz da Sagrada Escritura, no livro de Êxodo XXI, 22 e 23, onde está dito: 'Se ferirem uma mulher grávida, e sair do ventre dela um feto não formado, serão multados... Se o bebê estiver formado, dar-se-á alma por alma.' É certo que o feto não é animado imediatamente [após a concepção]. - Lessius [Lessius, lib. 2, cap. 9, n. 65, refere essa opinião como sendo falsamente atribuída a Hipócrates por Lemnius. Mas Lessius cita Hipócrates como se ensinasse que o macho é formado no ventre em no máximo 30 dias, e a fêmea, em no máximo 42. E Hipócrates de fato ensina isso na obra de Natura Pueri (p. 46, na edição da Basiléia, 1546)] considera, a partir de Hipócrates, que o menino é animado em no máximo 30, 35, 40 ou 45 dias; e a menina, 35, 40, 45, ou 50 dias. Assim pensam Lugo (De Just. et Jure, disp. 10, n. 133. - Bonac., de Restitut. in part., disp. 2, qu. ult., sect. 1, punct. y, n. 4-Fill., tr. 29, n. 99), Bonacina e Figliucci, apud Salmanticenses (Tr. 13, cap. 2, n. 59). Mas Busembaum (Busembaum cita essa opinião comum, mas ele mesmo não a segue, pois acrescenta: "Mas isso é muito incerto") (como disse no n. 394), Elbel (De Matr., n. 470. - Salmant., tr. 13, cap. 2, n. 59, Azor, part. 3, lib. 2, cap. 4, qu. l . Silvest., v. Homicidium I, n. 3. - Holem., de Praec. decal., n. 598 - Anaclet. Reiffenst., tr. 9, dist. 3, n. 34), e os Salmanticenses com Santo Tomás, Azor, Silvestre e a opinião comum, confessa o mesmo P. Holzmann, dizem que o menino se forma e é animado num espaço de 40 dias; e a menina, num espaço de 80 dias. - Anacleto, etc., apud Elbel (Loc. cit. n. 470), atesta que esta opinião vale para o foro externo, com respeito às penas por homicídio. Santo Tomás (In 3. dist. 3, qu. 5, art. 2, corp.) diz o seguinte: 'A concepção do menino não termina senão em 40 dias, como diz o Filósofo; já a concepção da menina, em 90 dias. Mas Agostinho parece acrescentar mais seis dias para a perfeita formação do corpo do menino'. O Continuador de Tournely (De 50 Praec., art. 3, sect. I, v. Quaeres I. . Glossa, in clem. un de SS. Trinitate, v. Simul unitas. - Navar., Consil., lib. 5. tit. de homicid., consil. 46, n. 2.) diz que, neste ponto, devemos seguir a Glosa e os teólogos, que, quase todos, consideram que o feto de sexo masculino é animado no quadragésimo dia; e de sexo feminino, no octogésimo. - A S. Penitenciária, ao julgar os casos de irregularidades e ao aplicar as penas, segue essa opinião, como diz Sílvio (in 2am 2ac, qu. 64, art. 7, quaer. 4, concl. 5, i. f), a partir de Navarro.
394 - Pergunta-se, 4º. A que penas estão sujeitos os que abortam? Sisto V, no ano de 1588, publicou uma bula, cujo título é Effrenatam, e que aparece no Bulário (Bullar. Mainardi, tom. 5, part. I, fol. 25). - Nela, o Pontífice submeteu todos os que, com plena advertência, procuram abortar um feto, quer esteja animado quer inanimado, e todos os que de algum modo consentem com o aborto ou que dão às mulheres remédios abortivos, às mesmas penas aplicadas ao homicídio, tanto pelo direito civil como pelo canônico. As penas são estas: privação de todo privilégio clerical, dignidade ou benefício eclesiástico, bem como a inabilidade para adquiri-los posteriormente. Impôs sobretudo a pena de irregularidade e excomunhão, na qual se incorre ipso facto (depois que se seguiu o efeito do ato). A dispensa e a absolvição de tais penas ficam reservadas ao Romano Pontífice. Contudo, Gregório XIV, na bula Sedes Apostolica, publicada no ano de 1591, removeu a pena de irregularidade e excomunhão pelo aborto dum feto inanimado. Deixou, porém, em vigor as penas de irregularidades e excomunhão, reservadas ao Papa, pelo aborto dum feto animado. Mas concedeu a faculdade de absolver da excomunhão tanto aos bispos como a outras pessoas designadas por eles especificamente para tratar desses casos. (Os Mendicantes também possuem essa faculdade de absolver; veja-se o Liv. VII, n. 99). (...)
395 - Pergunta-se, 6º. Se há dúvida se o feto está ou não animado, os que cuidam em fazer o aborto incorrem em irregularidade? A primeira opinião o afirma, e é sustentada pelos Salmanticenses (tr. 13, cap. 2, n. 59, e tr. 10, de Censur., cap. 7, n. 45), Viva (In prop. 34 Innoc. XI, num. 19. - Molina, tr. 3, disp. 27, n. 4), com Sánchez (Sánchez, Decal., lib. I, cap. 10, n. 43), Molina, etc., apud Elbel (De Matrim., n. 479). Argumentos: em todo homicídio dúbio, a pessoa incorre em irregularidade, como consta no cap. Ad audientiam 12, Significasti 18, Petitio tua 24, de homicid.; e na dúvida, presume-se que o feto seja masculino. Portanto, dizem que os que fazem aborto depois de 40 dias devem ser considerados como irregulares. Figliucci [Figliucci é citado por Tamburini a favor da opinião que ensina que, na dúvida, deve-se presumir que o feto é macho (portanto, que é animado depois de 40 dias) e que esta é a opinião seguida na Penitenciária. No tr. 29, n 100, Figliucci, afirma apenas o seguinte: 'Na dúvida... se o feto está animado, abortá-lo é pecado de homicídio perfeito; consequentemente, devemos julgar que o fautor se tornou irregular".] e outros, apud Tamburini (Decal., lib. I, cap. 3, §7, v. Irregularitas 2), dizem que é assim que se julga no foro externo, e que esta é a opinião seguida pela S. Penitenciária. A segunda opinião, mais verdadeira, o nega. É sustentada por Tamburini (De Censur. lib. 10, tr. 4, cap. 5, n. 18. - Praepos., de Censur., qu. 5, de Irregul., dub. 8, n. 58, . Gibal., de Irreg., cap. 4, qu. I, n. 26) com o Prepósito e Gibalino, além de Moya (Tr. 5, qu. 6, §2 . Pelliz., tr. 7, cap. 5, num. 25 et 267. - Verde, Instit. canon., lib. 4, tit. 17, num. 5531), com Pellizzari, Machado (Machado, Perfeito confessor, tom. I, lib. 2, part. 3, tr. 17, docum. 10, n. 3, parece aderir a essa opinião negativa. Embora diga que a opinião afirmativa é mais comum, acrescenta contudo que a opinião oposta é sustentada por doutores de não pouca autoridade. Desenvolve o argumento que demonstra que não se aplicam aqui as leis que impõem a pena de irregularidade no caso de homicídio dúbio; e o argumento que demonstra que a pessoa não incorre em nenhuma irregularidade que não tenha sido explicitada em lei), Leandro (Leandro de Múrcia, mesmo que não trate expressa e especificamente deste caso, não há dúvida de que sustenta essa opinião.
Que dizer se existe dúvida se a pessoa, mediante conselho ou obras, cooperou com assassinato dum feto certamente já animado? - Veja-se o que se dirá no Liv. VII, n. 371. Não pode existir nenhuma presunção (como afirmam erroneamente os Salmanticenses) de que o feto seja do sexo masculino. (...) Tamburini (Decal., lib. I, cap. 3, §7, v. Irregularitas 2) acrescenta, não sem probabilidade, que o que prevalece neste caso é o estado primeiro, e o feto é primeiro inanimado para depois tornar-se animado. Portanto, é muito provável, segundo o que se disse na Pergunta 3, que não deve considerar-se irregular, ao menos no foro interno, quem fez um aborto dentro dos 80 primeiros dias a partir da concepção. O que se diz aqui com respeito à irregularidade vale também para a excomunhão (como diremos no Liv. VII, n. 67) e para as demais penas, como bem observa Elbel (De Matrim., n. 479).
396. Pergunte-se, 7º. Quem pode relaxar as referidas penas pelo aborto?
1º. Quanto à excomunhão pelo aborto dum feto animado, já dissemos a partir da bula de Gregório XIV que só os bispos, e outros designados especialmente para examinar estes casos, podem absolver dela."
O entendimento foi alterado pelo progressivo acatamento do Magistério sobre a tese de "hominização imediata", famosa entre os teólogos gregos, em detrimento dos latinos, e incorporado no Ocidente por teólogos como São Gregório de Nissa e Santo Alberto Magno, que defendiam "hominização imediata".
O ser humano não é uma célula. Ou duas. O ser humano é um conjunto de zilhões de células (vidas) atuando coordenadas através de um Sistema Nervoso Central. Quando o cérebro cessa suas atividades por completo, o corpo ainda continua "vivo" por muito tempo após esse evento. Em muitos casos, o coração demora horas para parar de bater. Em casos bastante comuns, as células do corpo demoram dias para morrer completamente. E, se provocadas a isso (no sentido de receber auxílio externo que a Medicina já dispõe, ele - o corpo - pode passar anos em ativa). Não é porque o corpo inerte está cheio de "células vivas" que o cadáver será considerado um ser vivo. O cadáver está morto! Ainda que contenha centenas de zilhões de pequenas unidades que (ainda) estão vivas! Na maioria dos vertebrados, mesmo elementos do Sistema Nervoso Central podem continuar operantes sem a presença de um cérebro ou de um encéfalo, pois a própria coluna vertebral - especificamente a medula espinhal e suas extensões imediatas - contém vários dos circuitos neurais essenciais à vida vegetativa e mesmo circuitos neurais capazes de gerar respostas reflexas, assim como padrões motores simples, a exemplo nadar ou andar. Um caso famoso é o do frango Mike, que permaneceu vivo por dezoito meses após sua decapitação.
Já tinha me posicionado a favor do aborto, mas, ao ler essa matéria, me estruturei ainda mais nessa posição
ResponderExcluirMuito bom!